Renascendo e iluminando a educação do século XXI

Daniel D. Schlottfeldt1

Ler um texto de jornal, revista ou até mesmo um livro pode parecer uma simples tarefa e até mesmo um prazer. O difícil, muitas vezes, é compreender a real mensagem, tomar o sentido, sua compreensão. Para compreender, é preciso refletir, pensar. E, justamente, a arte de pensar requer 'abstrair' a mensagem, trazendo a mesma para os nossos dias. Por isso, exaltamos a importância de ler textos filosóficos através de uma visão metodológica e pedagógica, tendo como objetivo, enfatizar a organização e a compreensão. O método, através da história, não apenas renasceu e iluminou o período histórico das trevas, mas também, organizou o pensamento e o homem, na busca de desmistificar o passado. É assim que levaremos como proposta neste texto: o resgate do Renascimento cultural e do Iluminismo através da filosofia, partindo da pergunta: Por que ler textos filosóficos?

Esta pergunta, pode ser respondida através da interiorização das descobertas do mundo clássico. Saber diferenciar períodos históricos e fundamentais na construção do saber e agir humano. Este fato que queremos explanar, trazendo para os dias atuais, pode estar em períodos históricos onde o homem buscou o seu espaço na sociedade, seu autoconhecimento: Cogito ergo sun, nas palavras de Descartes. Esta existência, sem o pensar, o agir, experimentar ou vivenciar, não é digno de ser vivido. É sinal que muito do que vivemos e trouxemos como bagagem cultural são resquícios históricos. Do contrário, ler, sem refletir, implica em permanecer no mesmo ponto. Nada foi acrescentado. Esta é a proposta de ler textos clássicos filosóficos. Trazer para a realidade a distinção do mito, ciência e religião, mostrando a realidade como tal e tal. De passagem, um confronto de idéias novas e obsoletas. Surge assim a necessidade de reler a história através da filosofia. A palavra-chave, portanto, é conhecer.

Desta forma, deve existir uma relação original, "(...) uma vez que devemos obrigatoriamente passar por eles para "conhecer" os filósofos que são Aristóteles, descartes e Hegel, "conhecer" os conceitos colocados e as soluções propostas". (FOLSCHEID: 2002, p.7). Além do mais, saber transformar e aplicar este conhecimento para o cotidiano. Isso livra o homem da ilusão. Reformulemos o problema: "O problema, como se percebe, nos leva longe, à avaliação de certas formas de devaneio filosófico, de antecipação da imaginação racional ou da utopia". (FOLSCHEID: 2002, p.287).

Através de um paralelo com o Renascimento e o Iluminismo, podemos retornar no tempo e observar como se dá tal resgate. Através da citação de VAN ACKER (1992, p.30) podemos ver que "(...) uma vez recuperados os livros que continham a tradição de um saber clássico, greco-latino, revalorizando o uso da razão e da experiência, os homens do Renascimento estavam de posse do instrumento que efetivamente lhes permitiu modificar as condições de vida na Europa. Esse instrumento foi a crítica, pois não bastariam apenas a experiência, a razão e as informações do pensamento dos sábios da contigüidade". É esta crítica, apoiada na vivencia dos homens de outras épocas, situava como afronta ao grande valor humanista, a experiência individual, uma vez que estes homens também consideravam o conhecimento da antiguidade. O resultado foi o debate e a discussão em torno das posições, a exemplo da esfericidade da Terra. A exemplo do filósofo francês do século XVI Montaigne, que sustentava o desejo do conhecimento o mais natural. Foram estas modificações no campo das idéias acompanhadas por inovações técnicas às quais só foram possíveis graças a utilização da razão, da experiência, e porque não dizer, da vontade de mudar as condições de vida por meio do tempo e espaço. Contavam, assim, com a capacidade de observação da natureza através do conhecimento que já haviam adquirido.

Talvez essa capacidade crítica que Montaigne coloca, que, "Engana-se quem imagina acabar com nossas discussões citando um texto preciso da Bíblia (...)". (Livro 3, cap.13). Parece um afronta - como realmente foi - delinear os "canais" por onde passava o oriundo da Idade Média: bibliotecas dos conventos e mosteiros, além das primeiras universidades. O povo então, induzido ao crer, apenas, aceitava passivamente. Com este paralelo, será que estamos desenvolvendo nosso senso crítico ou apenas aceitando passivamente aquilo que nos é transmitido nos dias atuais? Mais um motivo para ler textos filosóficos e mais, incitar o debate. É justamente neste ponto, da falta de debate, de diálogo que as religiões, atualmente, elaboram e pregam a 'fé cega', aplicando seus livros sagrados com 'verdades indiscutíveis' - atrelados a princípios, ordens e mandamentos (muitos, inadequados com a atual realidade) e precedentes de um ponto final. A situação chega a tal ponto insuportável. Como a exemplo da Revolução Francesa, onde o povo se rebela contra o sistema aplicado pelos reis Bourbons. É neste ponto que trataremos sobre o Iluminismo, fazendo uma abordagem teórica através do ensaio de Horkheimer intitulado "Conceito de Iluminismo".

Horkheimer, em parceria com Theodor Adorno, ambos filósofos alemães do século XX, expõe que "desde sempre" o iluminismo perseguiu o objetivo de separar o homem do medo e de fazer deles senhores. Separar o homem do mundo do feitiço, anulando e dissolvendo os mitos e a imaginação por meio do saber. Falando sobre Bacon2, cita "(...) a credulidade, a aversão à dúvida, a precipitação nas respostas, o pedantismo cultural, o receio de contradizer, a parcialidade, a negligencia na pesquisa pessoal, o fetichismo verbal, a tendência a dar-se por satisfeito com conhecimentos parciais (...)". (tr. HORKHEIMER:1991, p.3). Em seguimento, sem dúvida alguma, a superioridade do homem reside no saber. Este saber está aliado ao 'casamento' entre a natureza e o entendimento humano. Um entendimento que superou as barreiras da superstição e da "natureza enfeitiçada". Foi, desta forma, enfeitiçada, que a população aceitou - e ainda aceita - as condições impostas. Sem escrúpulos para consigo mesmo, o iluminismo incinerou os últimos resquícios da sua própria existência em si. Como expõe Horkheimer, desde Bacon, um dos objetivos da filosofia era o de redefinir conforme o "espírito do tempo, da substância, qualidade, ação e paixão, ser e existência" (tr. HORKHEIMER: 1991, pp.4-5).

É no iluminismo que Deus, o criador, e o espírito ordenador, igualam-se enquanto senhores da natureza. O homem, sua criação, feito imagem e semelhança, consiste na sua soberania sobre o que existe, no seu olhar de senhor. O mito, então, passar a ser iluminação e natureza, mera objetividade e o preço pago pelo homem, pela multiplicação do poder divino, é a própria alienação. Assim, em uma proporção, o iluminismo está para as coisas, assim como o ditador para o homem. Ele conhece à medida quer pode manipular. O homem de ciência conhece as coisas na medida em que as pode produzir. Já, o feiticeiro, ainda presente nos dias atuais - a exemplo das religiões e afins - se fez semelhante aos demônios, seja para assustar ou abrandar. Seu ofício, alheia à imagem da força invisível, tal como faz o civilizado, em um conjunto de possibilidades para a exploração. Diante desta imagem que o homem encontra a si mesmo e talvez aí, a máxima socrática "conhece-te a ti mesmo", não seja tão menos importante do que incitar "negar-se a conhecer por si mesmo". A idéia não é radicalizar, mas residir o conhecimento possibilitando o renascimento e o iluminismo filosófico em nossas mentes. Aí, vemos o quanto há escravos do mito. Isso, não apenas atrasa ou aprisiona o pensar, mas também dificulta o trabalho do educador, este, com o propósito de uma pedagogia libertadora.

Quando o medo, a necessidade do destino, a busca pela purificação governam a sociedade, subtrai-se a contemplação, a busca pelo conhecimento. E foi assim que Platão em "Apologia a Sócrates" expõe a obediência ateniense para com o Oráculo de Delphos. Isto não só exclui a liberdade, mas também provoca um atraso cognitivo. Ora, não foi à toa de Sócrates, ao final, parte para a morte - condenado por duvidar e criticar - e um povo, parte para a vida "condenado" pela adoração.

Durkheim, o pai da sociologia, também contribui para estas investigações apontando que "(...) há séculos que os dogmas religiosos do cristianismo não mudaram, mas o papel que desempenham em nossas sociedades modernas já não é o mesmo que na Idade Média". (DURKHEIM: 2005, p.106). Ou seja, as palavras servem para exprimir idéias novas sem que o contexto próprio modifique. A adaptação dos tempos modernos ainda serve para manter a constituição antiga, conservando o mito do puro frente ao pagão nos dias atuais. E é em tempos que a escola busca a inclusão social que devemos recordar a igreja da Idade Média com a qual condenava portadores de necessidades especiais como "castigo divino". Talvez, Deus, a fonte do saber eclesiástico, tenha mudado de opinião nos últimos 700 anos e, hoje, há mais vagas para portadores de necessidades especiais na escola. Horkeimer ainda completa que o iluminismo 'dissolve' a injustiça da antiga desigualdade: "O grito do terror que acompanha a experiência do insólito, fica sendo o seu nome. Ela fixa a transcendência do desconhecido face ao que é conhecido e converte assim o tremor em santidade". (tr.HORKHEIMER: 1991, p.11). Assim, aquele que viola o poder celeste, cai sob o poder terrestre.

Porém, com a chegada da Revolução Industrial, o poder se mantém de um lado e o obedecer do outro. O "selvagem nômade" ainda tomava parte do feitiço submetido às diferentes classes sociais. A dominação, então, é justificada como massa de manobra. O importante é produzir. A partir daí, a justificativa de que a mulher e o deficiente físico devem ser excluídos é substituída pela segunda intenção: o lucro através da usura. Em outro resgate histórico, na Política de Aristóteles, onde a mulher e o escravo não faziam parte da sociedade. Fazendo uma análise sobre a educação do último século, podemos hoje responder sobre a pouca participação da mulher na sociedade - e em minoria na escola - e as crianças, ao invés de escola, trabalhos forçados.

Voltando, parece que o mundo iluminista profanou a mitologia. Está claro que este profano passou de assustador para assustado. O momento presente deve se libertar da esfera do passado, expulsando o "conhecimento", por este último, pregado. Ora, ainda somos servos da escola onde os próprios dominantes não despertaram o objetivismo, desenvolvendo o necessário para que se possa compreender. Com reprodução seriada, os alunos saem das escolas, de preferência, modelados. Qual é a sugestão? A percepção é vista de uma forma. Retrocedendo à pergunta inicial: Por que ler textos filosóficos? Ora, desde que tornou possível produzir o sustento daqueles que utilizam a máquina, o resto é supérfulo. Se formos pensar, há mais indústria que bibliotecas, e destas, o pouco que ainda resta, está com os dias contados. Se estudar implica em custo elevado, pensar sai mais caro e trabalhoso. Não basta apenas desmistificar a sociedade senão criar e cultivar novos hábitos e valores. Nivelar a situação atual frente à ideologia adotada: é fácil falar em globalização, superando fronteiras do conhecimento e tecnologia, ao mesmo tempo em que o trabalho continua sendo escravo e a sociedade pouco participativa. A sua ética de mercado, remontando à Pedagogia da Autonomia de Paulo Freire, não é a mesma ética universal do ser humano. Ora, estamos em um meio. Ao mesmo tempo em que estamos criticando o não uso da razão, também podemos criticar seu uso em demasia. O importante é o equilíbrio. Progredir através de sua simples condição: homem. O homem útil para sociedade.

Portanto, ainda nas palavras de Paulo Freire, não há docência sem discência. E é este fato que designa o educador para um compromisso: renascer a escola, iluminar novos ideais e despertar o lado crítico; libertar os escravos das "cavernas sociais" para que todos possam ver a beleza do mundo como realmente é e não ao contrário, reproduzir novas vítimas. Conduzir uma leitura para o pensar é exaltar o saber, construindo, assim, a dignidade.

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1 Acadêmico do curso de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria - RS.

BIBLIOGRAFIA:

DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo, Ed. Martin Claret, 2005.

FOLSCHEID, Dominique, Jean-Jacques Wunenburger. Metodologia Filosófica, tradução de Paulo Neves, - 2ª ed. - São Paulo: Martins Fontes, 2002.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

HORKHEIMER/ADORNO. Textos escolhidos. (Coleção Os Pensadores). São Paulo: Nova Cultural, 1991.

VAN ACKER, Maria Teresa Vianna. Renascimento e humanismo: o homem e o mundo europeu do século XIV ao século XVI. São Paulo: Atual, 1992.

SITES:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Bacon_%28fil%C3%B3sofo%29

Para entrar em contato com o autor:
Daniel Donida Schlottfeldt, 26 anos, acadêmico do curso de Filosofia da Universidade Federal de Santa Maria
dansch@brturbo.com.br
rabinodaniels@hotmail.com


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