Birungi Bamidele

 

Tenho a linda esperança que a cada 20 de Novembro reforçaremos nossa luta pelo fim do racismo e pela erradicação de qualquer tipo de violência e opressão.

Silvana Conti[1]

 

Recentemente um programa de televisão dominical apresentou uma matéria acerca dos entraves que as pessoas negras enfrentam para assegurar entrada no mundo do trabalho. Um rapaz, rapper carioca, relatou sua angústia por haver sido praticamente forçado a cortar seus dread looks[2] para conseguir um emprego. “Disseram que meu cabelo expressava que eu era bandido ou malandro, que não dava boa aparência. Cansei de ouvir isso, por isso tive de cortar assim, bem rapadinho...”, revela o entrevistado num dos trechos da matéria.

 

Numa roda de conversa entre 20 meninas adolescentes negras em vulnerabilidade social em um bairro da capital de Porto Alegre, cujo tema era auto-estima, perguntou-se se havia alguma coisa em seus corpos que gostariam de mudar, se pudessem. Muitas meninas responderam que gostariam de mudar o nariz e o cabelo. “Ah, sôra, nosso cabelo é ruim. Todo mundo diz, todo mundo fala... e ri de nós”, argumentavam.

 

Estas ilustrações apresentadas para iniciar este texto expressam reduzidamente as inúmeras situações em que as pessoas negras, especialmente as mulheres, (sobre)vivem no seu cotidiano. Invariavelmente estas situações ocorrem primeiramente na escola, onde o modelo eurocêntrico de educação imprime um padrão estético corporal muito diferente do corpo negro, o que quase sempre resulta na não-aceitação deste corpo. Gomes (2002), em sua pesquisa de doutoramento em antropologia social[3], investiga junto a pessoas adultas negras como suas identidades foram forjadas e em que medida o cabelo crespo contribuiu enquanto ícone identitário nesta formação.

 

As formas simbólicas por meio das quais as pessoas negras constroem sua identidade, ou seja, os mitos, as representações e os valores acerca do seu pertencimento racial, são determinantes, mas negligenciados pela escola.

A autora destaca que:

 

Lamentavelmente, nem sempre damos a essas dimensões simbólicas a devida atenção dentro do ambiente escolar e, quando o fazemos, nem sempre as consideramos dignas de investigação científica e merecedoras de um trato pedagógico. Dessa forma, um dos caminhos para a ampliação do estudo da questão racial no campo da educação, na tentativa de compreender a sua relação com o universo simbólico, pode ser a construção de um olhar mais alargado sobre a educação como processo de humanização, que inclua e incorpore os processos educativos não-escolares (p. 40).

 

 

“Você ri da minha roupa, você ri do meu cabelo, você ri da minha pele, você ri do meu sorriso...”[4]

 

Cabelo duro, sarará, cabelo pixaim, cabelo de bombril, cabelo ruim. A variedade de nomes pelos quais os cabelos das pessoas negras são chamados têm em comum a intenção de ridicularizar, diminuir e humilhar essas pessoas. Na tentativa de atender ao convite da professora Nilma Gomes e “alargar o olhar sobre a educação como processo de humanização”, cabe indagar o que justifica um sujeito entender que o tipo de cabelo do seu(sua) semelhante o empodera a ponto de sentir-se no direito de humilha-lo(a) e subjugá-lo(a)? Onde esta história começa? Por que esta história começa?

 

Nos reportemos ao período colonial do Brasil, onde foram materializadas as mais diversas expressões de subjugo da população negra, em que os elementos construídos culturalmente na sociedade brasileira como definidores do pertencimento étnico/racial destes sujeitos, a cor da  pele e cabelo, serviram como argumento para justificar a colonização e determinar padrões de beleza:

... A diferença impressa pela cor da pele e pelos demais sinais diacríticos serviu como mais um argumento para justificar a colonização e encobrir intencionalidades econômicas e políticas. Foi a comparação dos sinais do corpo negro (como o nariz, a boca, a cor da pele e o tipo de cabelo) com os do branco europeu e colonizador que, naquele contexto, serviu de argumento para a formulação de um padrão de beleza e de fealdade que nos persegue até os dias atuais. Será que este padrão está presente na escola? (Gomes, p. 42).

 

 

O silêncio, a banalização e a omissão frente as agressões raciais percebidas no ambiente escolar  evidenciam, dentre outras coisas, uma concordância com a situação colocada e a perpetuação de uma história de dor e opressão herdada desde os tempos coloniais. Cada piada, cada gesto, cada xingamento deve ser levado em conta e suscitar intervenções que favoreçam uma convivência saudável e respeitosa entre as(os) estudantes e com toda comunidade escolar.

 

“Respeitem meus cabelos, brancos [...] cabelo vem da África, junto com meus santos...”[5]

 

É possível observar que existem movimentos, principalmente da juventude negra, que buscam valorizar diferentes expressões que identificam algumas características negras como o cabelo. No entanto, estas iniciativas todavia parecem estar reservadas às modelos, artistas e atletas, sendo que alguns poucos jovens “arriscam” apresentar-se com seus cabelos trançados, soltos ou em penteados considerados “exóticos” pelos(as) seguidores(as) dos padrões de beleza acima mencionados.

 

Estes movimentos, no entanto, oferecem uma possibilidade de se operar com as africanidades para além do “exótico”, servindo como continuidade de elementos culturais africanos ressignificados no Brasil. Munanga, citado em Gomes (2002, p. 50), afirma que:

 

Podemos dizer que descobrir a africanidade presente ou escondida na manipulação do cabelo do negro e da negra da atualidade, e nos penteados por eles realizados, constitui uma das preocupações primordiais para a definição da força histórica e cultural deste segmento étnico/racial. Estes são aspectos a serem considerados pela educação escolar.

 

“Por que dizem que meu cabelo é ruim? Ele não mata, não rouba, não belisca, não espanca. Pelo contrário, me protege, me faz mais bonita e me dá muitos jeitos de arrumar. Meu cabelo é muito bom pra mim!”

Fabíola, 12 anos, negra, gaúcha, filha de Oxum.

 

Força, Resistência e Sabedoria

Heranças de Zumbi, Aqualtune, Lélia Gonzales, Nélson Mandela, Mãe Menininha....

 

20 de Novembro, dia de rememorar e saudar a vida de um dos maiores lutadores pela causa da libertação do povo negro no Brasil.

 

Zumbi dos Palmares é um marco da luta revolucionária do povo brasileiro contra as elites de todas as épocas, pois sua luta  em favor dos negros e negras é um exemplo de resistência contra o sistema opressor, racista e escravocrata(tudo que pode ser dito hoje do capitalismo).

 

Várias foram as formas de resistência encontradas pelo povo negro para vencer a diáspora que sofreram quando arrancados do continente africano.

 

Muitos fugiam para os sertões, se embrenhando nos matos de difícil acesso. Fugiam sozinhos ou em agrupamentos, e assim organizavam os quilombos.

 

O maior quilombo brasileiro foi o de Palmares e também o que mais tempo resistiu.

 

O Quilombo de  Palmares começou a ser formado nos anos do século XVII e só foi destruído em 1694. Era uma republica auto-sustentável, que usava como defesa técnicas de guerrilha. 

 

Zumbi dos Palmares era um guerreiro que ajudou a organizar a fuga de muitos escravizados, fazendo de Palmares uma espécie de quartel general da luta contra a escravidão, ajudando também a proteger e criar uma comunidade com qualidade de vida para os(as) negros(as) e outras pessoas que estavam à margem dos interesses da elite da época.

Ainda hoje no século XXI, apesar dos avanços tecnológicos que se multiplicam de forma acelerada, o racismo persiste e se traduz enquanto desigualdade de oportunidades.

 

Negros e Negras continuam com menos acesso a bens e consumo, são mais explorados(as) no trabalho e na sua maioria sem acesso as necessidades básicas necessárias para se viver com dignidade.

 

Segundo alguns dados da pesquisa nacional por amostragem de domicílios(PNAD) do IBGE, a porcentagem de negros(as) e pardos(as) entre pessoas que têm hoje alguma ocupação é de 42%, menos da metade total. Os outros 58% dos profissionais são brancos.

 

Os dados do IBGE são contundentes: a maioria 54,5% dos negros(as) e pardos(as) com mais de 10 anos passaram no máximo 7 anos estudando, enquanto uma maioria de mais de 61% dos brancos têm pelo menos 8 anos de estudo.

 

A discriminação no mercado de trabalho que leva as mulheres ganharem salários menores na comparação com os homens, faz com que as famílias chefiadas por elas sobretudo as negras, sejam mais dependentes de filhos, parentes, programas de transferência de renda. Segundo pesquisa divulgada pela organização internacional do trabalho(OIT) as chefes de família negras representam 57,3% da renda familiar, contra 65,5% das chefes brancas e 66,8% dos homens brancos.

 

Acreditamos que para caminharmos na direção de uma sociedade socialista é fundamental que todo o povo brasileiro faça a luta anti-racista.

O espírito guerreiro e revolucionário de Zumbi dos Palmares permanece vivo para quem luta por justiça social, pelo fim do racismo, pelo fim do machismo, pelo fim da opressão de classes e pelo fim de todas as formas discriminações e de violências.

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

Gomes, Nilma Lino (2002). Corpo e Cabelo como ícones de construção de beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte. Tese de Doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP.

 

Lopes, Nei ( 2006). Dicionário escolar afro brasileiro. São Paulo: Selo Negro Edições.


 

[1]     Educadora  Feminista e militante das lutas anti racistas da Rede Municipal de Porto Alegre. Membro da Equipe Diretiva da EMEF Mário Quintana

[2]     Expressão inglesa para os cabelos crespos enrolados, mundialmente conhecidos a partir do cantor jamaicano Bob Marley

[3]     Título do trabalho: Corpo e cabelo como ícones de construção da beleza e da identidade negra nos salões étnicos de Belo Horizonte, 2002.

[4]     Trecho da música Sarará Crioulo interpretada por Sandra de Sá.

[5]     Trecho da música “Respeitem meus cabelos, brancos”, de autoria de Chico César.