Imagem demonstrando a organização urbana da mussão |
Maquete da missão de São Miguel exposta no museu. |
A catequese
tornou-se um dos laços da organização. Na estrutura
social, estas Reduções seguiam moldes
pré-estabelecidos pela legislação espanhola. Na
urbanização, primeiramente demarcava-se a igreja e a
praça central e, a partir desse núcleo,
traçavam-se as demais construções. Ao redor da
praça, situavam-se as moradias. Em frente à igreja, do
outro lado da praça localizava-se a
sede administrativa chamada de cabildo. Anexado à igreja, do
lado esquerdo, encontrava-se o cemitério e a casa das
viúvas e órfãos, o cotiguaçu, do lado
direito o pátio, onde eram construídos o colégio,
as oficinas e a hospedaria. Atrás ficava a horta e o pomar
chamados de quinta. As
reduções não eram aldeias, mas verdadeiras cidades
que se instalavam nas selvas, com toda a infra-estrutura; além
da igreja, que era o centro de tudo, havia hospital, asilo, escolas,
casa e comida para todos e em abundância, oficinas e até
pequenas indústrias. Fabricavam-se todos os instrumentos
musicais, tão bem quanto na Europa, por exemplo. Imprimiam-se
livros em plena selva, inclusive em alemão.Possuíam
observatório astronômico e até editavam uma carta
astronômica e um boletim meteorológico. Ainda hoje
observa-se nos pátios centrais das missões o
relógio do sol, que serviam de guia horário para a
coletividade através do elemento sol, conhecido dos nativos.
Eram
repúblicas teocráticas no continente,
baseados na experiência socialista dos incas, no Peru. Os jesuítas
cerceavam completamente a liberdade dos índios, mas, à
luz da pregação do Evangelho, indiretamente
intimidando-os com os conceitos sobre céu e inferno e
salvação da alma, conseguiram transplantar da Europa para
o interior de nosso continente, há mais de 350 anos, costumes
avançadíssimos, uma arte refinada e um modelo
utópico de administração - com propriedade
coletiva, sem classes e sem governo, e sem oposiçào entre
cidade e campo -, que Clóvis Lugon, em seu livro "A
República Comunista Cristã dos Guaranis", chegou a
definir como "a mais fervorosa das sociedades cristãs e a mais
original das sociedades comunistas".
O
encontro de duas culturas diferenciadas, a guarani e a européia,
deu origem a um novo modo de ser, o missioneiro, desenvolvido com base
em uma rígida organização social e econômica
que os destacou no contexto colonial. A originalidade da cultura
guarani, alicerçada no solidarismo e reciprocidade encontrou nas
inovações técnicas trazidas da Europa, como a
escrita, imprensa, metalurgia, arte e arquitetura barroca, as
condições ideais para o grande desenvolvimento
alcançado. Para este empreendimento, a aliança dos
missionários com os caciques foi fundamental para permutar a
liderança que não foi sem luta. As Missões
são por muitos escritores denominadas de estado
teocrático. Os produtos
missioneiros, conhecidos como frutos da terra, eram comercializados
pelos escritórios das missões existentes em Buenos Aires
e Assunção, cujos recursos obtidos serviam para cobrir as
despesas das Reduções e a tributação
à coroa. Na
Redução, não se visava apenas a
produção abundante. Reconhecia-se o trabalho em si mesmo,
como ocupação útil e honesta, grande valor
educativo na formação da personalidade. Importava evitar
a ociosidade, origem de muitos vícios: bebedeira,
luxúria, rixas e guerras.
Alguns
meninos, especialmente filhos de caciques, iam às escolas de
primeiras letras: outros, às aulas de canto, música e
dança, ou às oficinas enquanto que a maioria trabalhava
nas roças comuns. Os rapazes extirpavam o inço dos
algodoais, arrastava, lenha para as olarias e varriam as ruas: as
meninas colhiam o algodão e, para as mais novas, cabia a
função de espantar os pássaros no milharal. Havia
horário de reza diário entre as 17 e 18 horas.
O
que é importante na Redução, é que tudo
quanto produziam era para eles mesmos e não para os outros.
Remuneração direta não havia, mas indiretamente
havia mais remuneração para todos do que em qualquer
sistema social, por haver mais benefícios sociais e garantias.
Era, sem dúvida, uma economia coletivista, mas nenhum dos
sistemas coletivistas hoje vigentes (comunismo, socialismo,
cooperativismo, associativismo, sindicalismo), explica convenientemente
o sistema de remuneração adotado nas
Reduções.
O
ensino escolar, além dos filhos de caciques que seriam os
futuros governantes, era destinado apenas aos
rapazes, intelectualmente mais bem dotados. Além de ler,
escrever e contar, aprendiam algum
ofício e, ainda, como todos os demais, adquiriam técnicas
agrícolas. O aprendizado ministrado aos guaranis decorria do
ensino pela prática, contribuindo para a rápida
assimilação dos ofícios e grande capacidade de
imitação dos guaranis para a execução de
trabalhos manuais. A facilidade, por eles apresentada,
contribuía para incrementar o número de artesãos
existentes na Redução, possibilitando, assim, que com
semelhante proporção, florescessem
as oficinas e artes. Os índios sabiam fazer casas e edificar
igrejas com pedras, ladrilhos e talhas: sabiam fazer instrumentos para
moer o trigo. Havia carpinteiros, entalhadores de retábulos, e
escultores. Trabalhavam o ferro para os edifícios e
ferramentas necessárias.
A
tarefa de ensino foi dividida com os índios que melhor
assimilaram os seus ensinamentos, pois em cada redução
havia somente dois jesuítas, que contavam com a liderança
dos próprios índios para desempenharem as suas tarefas
nas missões e administrar conflitos.
A
organização das oficinas era semelhante ao medievo
europeu, apresentando uma estrutura hierárquica de
aprendizes, oficiais e mestres (alcaides) e a propriedade comunal das
ferramentas de trabalho.
Há
registros que dizem que o trabalho dos artesãos não se
reduzia à oficina. O trabalho deveria ser alternado, para
oportunizar o aprendizado a um número maior possível de
índios, revezando-se entre as oficinas e o trabalho nos ervais
com o gado e a agricultura. Para incentivar o aprendizado, havia
prêmios especiais aos artesãos.
A
instrução, nas Reduções, foi seletiva,
visando a um melhor aproveitamento dos recursos humanos
disponíveis, evidenciado pela cooptação
dos caciques e de seus descendentes. A chegada de jesuítas
alemães no século XVIII , aprimorou
o desenvolvimento de novas técnicas de produção.
Por
todos os ofícios desenvolvidos no âmbito missioneiro, as
Reduções tornaram-se, durante os séculos XVII e
XVIII, um centro de formação e capacitação
de mão-de-obra no coração do Império
Colonial Espanhol, habilitando milhares de guaranis missioneiros na
execução de trabalhos manuais, a partir da
instrução inicial ministrada pelos primeiros
jesuítas. Com esse contato, os guaranis foram elevados às
funções de carpinteiros, ferreiros, curtidores,
tecelões, pintores,
escultores e demais artes mecânicas realizadas nas oficinas
missioneiras.
A
sazonalidade das atividades nas
reduções teve como resultado imediato a
adequação dos trabalhos executados na colônia,
principalmente as vinculadas à agricultura e à
pecuária, aos ritmos da natureza, que determinou o fluxo das
novas tarefas, ampliando desse modo a potencialização
produtiva das reduções. Ora o índio direcionava-se
ao gado, ora à agricultura, ora às oficinas.
Ao
buscarem a vida fora do espaço reducional, os guaranis
missioneiros poderiam escolher entre as duas modalidades de
sobrevivência. A primeira, junto aos índios
infiéis, ocupando-se do roubo de gado e do comércio
ilegal; a segunda, a de prestarem serviços aos espanhóis
nas cidades coloniais. Os serviços prestados pelos guaranis ao
poder público colonial foram uma constante por mais de um
século e apresentavam-se na forma de "auxílios militares"
ou em obras públicas: em determinadas ocasiões, eram
executadas outras tarefas, conforme a solicitação dos
governadores e as pertinências do pedido. Constituíam-se
essas prestações de serviços em uma das formas de
exploração do trabalho indígina por parte do
Estado colonial. Entre os serviços prestados, foram os de guerra
e os mencionados anteriormente, principalmente como artesãos.
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