ÍNDICE DOS
SUBTEMAS
1. OS PRIMÓRDIOS DA REGIÃO: DA SESMARIA DE
DIONÍSIO RODRIGUES MENDES ÀS CHÁCARAS DE ANTIGOS
ESTANCIEIROS
2. O PASSO DO CAPIVARA E A GRANDE FAZENDA DE JUCA BATISTA
3. A CHEGADA DOS PRIMEIROS COLONOS ITALIANOS: O
SURGIMENTO DA VILA NOVA D'ITÁLIA
4. AS TERRAS TOMADAS: O
LOTEAMENTO
DA VILA MONTE CRISTO
Esta
fotografia mostra uma parte do desvio da linha férrea a Tristeza
para o Bairro da Vila Nova. Muitas mercadorias, principalmente a
produção de frutas da Vila, foram transportadas para
Porto Alegre pela via férrea
1. OS
PRIMÓRDIOS DA
REGIÃO: DA SESMARIA DE DIONÍSIO RODRIGUES MENDES
ÀS CHÁCARAS
DE ANTIGOS ESTANCIEIROS
No
início do século XIX, a região onde hoje se
encontra a Vila Nova
fazia parte de uma imensa zona rural de Porto Alegre. Originária
da
primeira sesmaria doada ainda no século XVIII, o local se
caracterizou por grandes extensões de terras, em cujas fazendas
se
cultivavam arroz, milho, aipim e frutas, além da
criação de gado
leiteiro.
Dionísio
Rodrigues Mendes foi o proprietário dessa sesmaria, a qual
originaria, tempos mais tarde, a maioria dos bairros da Zona Sul. A
doação de sesmarias na antiga Província de
São Pedro, hoje o
estado do Rio Grande do Sul, pela Coroa Portuguesa, tinha um
único
propósito: o de povoação. Assim, Dionísio,
além de cultivar a
terra doada por Portugal, soube aproveitar os arroios Capivara,
Cavalhada e Salso,
que
serpenteava pelas suas terras, proporcionando fertilidade à
região
e condições favoráveis para agricultura e
pecuária.
Com
o passar do tempo, as terras de Dionísio foram ocupadas por seus
herdeiros, todos explorando a lavoura e a criação de
gado, e isso
se estendeu até a data da morte do sesmeiro em 1791 e de sua
esposa,
Beatriz Barbosa Rangel em 1794. Desta forma, as propriedades deixadas
por Dionísio perpetuaram-se em seus descendentes, como é
o caso de
André Bernardes Rangel, seu filho. É importante que se
diga que as
terras onde hoje se encontra o bairro da Vila Nova eram, em meados
dos 1800, de propriedade de André.
Com
o falecimento de André Rangel e de seus herdeiros, todas as
terras
pertencentes ao grande sesmeiro foram designadas para algumas
famílias, transformando-se em fazendas e chácaras. Surge,
neste
período, uma elite de proprietários, com seus
peões e agregados,
consolidando o regime das estâncias e configurando-se na nova
realidade dos campos. Entre essas fazendas está a de João
Baptista
de Magalhães, mais conhecido por Juca Batista.
2.
O PASSO DO
CAPIVARA E A GRANDE
FAZENDA DE JUCA BATISTA
De
origem portuguesa, Juca Batista tornou-se um próspero
comerciante na
Zona Sul da cidade. Com sua esposa, Otília Flores de
Magalhães,
Batista empreendeu nas terras deixadas por seu pai, um império
fundamentado no trabalho e na ajuda ao próximo. Nascido em 29 de
setembro de 1870 em Belém Velho, Juca soube aproveitar a
prodigiosa
natureza da região, desenvolvendo a plantação de
árvores
frutíferas e a criação de gado leiteiro. Por
muitos anos
empreendeu ações em prol da comunidade carente, tanto de
sua região
como nas vizinhanças. Deslocando-se, de barco, pelo rio,
fornecia
produtos oriundos de sua fazenda a outras regiões da cidade.
Em
1896, Juca Batista presenteou aos pioneiros colonos italianos da Vila
Nova com as primeiras mudas de árvores frutíferas e
verduras.
Também ajudava a manter, por meio de um trabalho social, algumas
instituições de caridade, entre elas a Santa Casa de
Misericórdia,
o Pão dos Pobres e o Asilo Padre Cacique, desenvolvendo assim,
seu
lado filantrópico. Em plena Segunda Guerra Mundial, diante da
crise
e do racionamento de alimentos, Juca Batista entregava ranchos aos
pobres das vizinhanças. Em 1917, teria recebido do
exército
brasileiro uma faca de ouro gravada com agradecimentos. Na
ocasião,
Juca permitiu a utilização da beira do rio, parte
integrante de sua
propriedade, para os soldados em treinamento militar.
Juca
Batista foi ainda fundador da primeira casa comercial no bairro, a
“Ferragem Juca Batista”, possibilitando aos moradores locais o
acesso a diversificados produtos. Inaugurada em 1878, a antiga casa
de campanha era o local onde se podia comprar de tudo: desde o
alfinete até alimentos perecíveis como
açúcar e café. Era um
estabelecimento típico de “secos e molhados”, onde a
população
local recorria sempre que necessitava.
Conforme
Teresa Magalhães Terra, casada com um dos netos de Juca Batista,
parte das terras da família foram doadas para a
construção do
cemitério da Vila Nova. A grande extensão da propriedade
doada
possibilitou também que, tempos mais tarde, surgisse nas
vizinhanças
do cemitério, um loteamento popular: a Vila Monte Cristo.
3.
A CHEGADA DOS PRIMEIROS COLONOS ITALIANOS: O SURGIMENTO DA VILA NOVA
D’ITÁLIA
Em
torno de 1870, teve início, no Rio Grande do Sul, o processo de
imigração italiana. Os colonos oriundos da Itália
fixaram-se,
principalmente, na encosta superior da serra gaúcha, formando
povoados onde hoje se situam as cidades de Caxias do Sul,
Veranópolis, Bento Gonçalves e Garibaldi. Alguns desses
colonos,
porém, vieram para a Zona Sul de Porto Alegre. Chegaram e se
instalaram em Teresópolis e na Tristeza.
O
bairro
Tristeza desenvolveu-se a partir do trabalho desses imigrantes
italianos e também de alemães. Havia uma divisão
espacial marcada
pela linha do trem. Essa linha demarcatória separava a
população
da região conforme os diferentes usos do local. Assim, as
áreas
residenciais da elite, espaços onde se erguiam belos palacetes
à
beira rio, pertenciam aos alemães, muitos deles envolvidos com
os
serviços de veraneio. Já as moradias mais simples, ou
seja, aquelas
cujos proprietários eram colonos italianos, se localizavam do
outro
lado da ferrovia, mais no interior do arrabalde.
Entretanto,
foi na Vila Nova que iniciou uma colônia particular fundada por
famílias de várias regiões da Itália. A
Colônia Vila Nova
d’Itália, como foi batizada inicialmente a Vila Nova, recebeu as
primeiras famílias de italianos a partir de 1894. Relatam seus
descendentes que, ao chegarem às colinas da região, os
imigrantes
ficaram encantados com a beleza do lugar e a fertilidade das terras.
Entre
essas famílias, estavam as de Passuelo, Dallariva, Monteggia,
Morandi, Salomoni, Vedana, Moresco, Bertaco, Ungaretti, Balestrin,
entre outros. Vicente Monteggia foi o grande impulsionador do
povoamento da colônia. A italianada adquiriu grandes glebas de
terras, as quais foram transformadas em chácaras com
plantações de
videiras, árvores frutíferas
e verduras. A exploração da uva foi um dos fatores de
desenvolvimento da região, pois esse fruto era consumido,
não só
no mercado gaúcho, como também nos mercados maiores, como
os do Rio
de Janeiro e São Paulo.
Seguidores
da fé católica, os italianos construíram em 1906,
a primeira
capela que daria origem à Paróquia São José
da Vila Nova. A
partir da construção desse templo religioso, organizou-se
o
povoamento urbano, desenvolvendo o comércio com o surgimento dos
armazéns. A primeira escola pública e o salão
paroquial para
atividades esportivas, culturais e sociais vieram mais tarde. O
Restaurante Nápoles congregou os grupos em suas sociabilidades,
proporcionando serviços e entretenimento. O local, além
de servir
comidas típicas da mesa italiana, também abrigou o
primeiro cinema,
onde era possível assistir aos filmes mudos. A região
crescia e se
desenvolvia com o trabalho duro dos colonos.
Para
o viajante italiano Vittorio Buccelli, que visitou o estado nos
primeiros anos do século XX, em apenas dez anos a colônia
da Vila
Nova prosperara consideravelmente e fornecia toda a espécie de
frutas ao mercado da capital. Empreendedor, Monteggia vendeu as
terras que possuía em Veranópolis para comprar os novos
lotes na
Vila Nova. Abriu estradas, fundou casas, plantando vinhas e
árvores
frutíferas. Depois, utilizando-se da água de um riacho
que
atravessava sua propriedade, construiu uma represa, cuja força
alimentava um moinho. Em 1912, a Vila Nova contava com mais de 80
casas e 400 habitantes. Em 1924, um ato municipal transformou a Vila
Nova em zona suburbana, retirando-a da situação de zona
rural.
No
ano de 1926 foi inaugurado pelo Intendente Otávio Rocha o ramal
da
via férrea - um prolongamento da Estrada de Ferro do Riacho,
cujo
trajeto se estendeu da Tristeza (zona de veraneio) até a Vila
Nova.
A ferrovia serviu aos novos moradores da colônia. Ela tinha um
total
de 14.960 metros do Mercado Público até a Tristeza, e o
ramal Vila
Nova, 4.500 metros até a Estação Tristeza. A
Estrada de Ferro
serviu, inicialmente, para o transporte de pedras retiradas das
pedreiras da Serraria e da Assunção. E eram destinadas
à
construção do Cais do Porto. A estrada era usada
também para o
serviço de asseio público da cidade (os cabungos) e para
o
transporte dos moradores da Zona Sul. A linha atendia a todos que
residiam entre os bairros do Riacho (atual Cidade Baixa) e Tristeza
(Pedra Redonda). Com a extensão dos trilhos até a Vila
Nova,
intensificou-se um grande desenvolvimento daquele local. Esta
alternativa de transporte propiciava a chegada dos produtos oriundos
da colônia italiana até o mercado da capital.
Desta
forma, o desenvolvimento foi uma constante naqueles primeiros anos do
século XX. Chácaras foram loteadas, novas ruas foram
abertas e,
paulatinamente, o progresso chegou à região. Com o passar
do tempo,
o caminho de ferro tornou-se obsoleto, uma vez que se priorizavam
transportes mais rápidos e confortáveis. Em torno dos
anos 1930, a
ferrovia tornou-se deficitária para a Intendência, e em
1932, ela
foi extinta, sendo incorporada à Viação
Férrea do Rio Grande do
Sul.
Segundo
Sergio da Costa Franco, o ocorrido foi devido ao surgimento da
estrada de cimento que ligou o centro à Zona Sul da cidade. “A
expansão vertiginosa do automóvel e a
implantação da faixa de
cimento para a Tristeza no início da década
de 1930 tornaram gravosa a conservação e
manutenção da ferrovia
municipal”. Era a modernidade e o desenvolvimento tecnológico
que
instituíam os novos tempos e o fim dos trens.
Assim,
a característica mais rural da Vila Nova e entornos foram-se
alterando lentamente, ainda que na atualidade esse caráter
permaneça. O cenário nessa época já
apresentava novas
residências, lojas, armazéns, supermercados,
farmácias e o
Hospital Vila Nova, estabelecimentos que servem a
população até
hoje. Atualmente a Vila Nova se caracteriza como um bairro
residencial conservando, porém, algumas características
de colônia
italiana. Existem ainda muitas famílias, descendentes de
italianos,
que mantém suas chácaras e se dedicam à
produção de frutas,
verduras e legumes, e que continuam suprindo o mercado
porto-alegrense. Conhecida em todo o estado, a Festa do Pêssego
atrai, todos os anos, milhares de porto-alegrenses à Vila Nova.
Ela
acontece no mês de novembro, período em que o visitante
pode
degustar e comprar as frutas cultivadas pelos agricultores,
herança
viva dos primeiros colonos italianos recém-chegados ao Brasil.
4.
AS TERRAS TOMADAS: O LOTEAMENTO VILA MONTE CRISTO
O ano de 1977 marcaria
o início
do assentamento de mais de 500 famílias nas
imediações do
Cemitério São José da Vila Nova, no bairro Vila
Nova, Zona Sul de
Porto Alegre. A área, pertencente à Irmandade da Santa
Casa de
Misericórdia, compreendia cerca de dezesseis hectares. Eram
terras
que foram recebidas em testamento na data de agosto de 1969. O doador
dessas terras, Luiz Chiaradia, sempre prestava ajuda à
instituição,
conforme constam os documentos.
As terras de Chiaradia, avaliadas
em vinte milhões de cruzeiros na década de 1970, era, na
realidade,
a antiga chácara de veraneio da família. Era comum, no
início do
século passado, as famílias possuírem uma segunda
moradia. As
chácaras de verão costumavam disponibilizar
espaços de lazer e
descanso àqueles com melhores condições
financeiras. A proximidade
com o Guaíba, o ar puro e o contato com a natureza atraía
a
população para a Zona Sul da cidade nos meses mais
quentes do ano.
Assim, a família de Luiz Chiaradia pode desfrutar, durante
muitos
anos, as dependências da propriedade localizada na Estrada da
Cavalhada, entre as ruas Monte Cristo e Eduardo Prado.
Com o passar do tempo, por
motivos desconhecidos, a família deixou de utilizar os
espaços de
lazer da chácara. A partir do abandono da propriedade, as terras
passaram em doação para a Santa Casa de
Misericórdia. Os dezesseis
hectares foram divididos em duas glebas: uma de dez hectares e outra
de aproximadamente seis hectares. Na primeira gleba, as famílias
adquiriram os terrenos normalmente, regularizando a compra junto
à
Santa Casa. Porém, a segunda gleba se configurou em um
assentamento
irregular, dando início a uma disputa pelas terras. A
invasão se
deu por um grupo de famílias que tomaram a área em final
de 1977,
surgindo a Monte Cristo, uma vila clandestina dentro da Vila Nova.
Conforme contam alguns antigos
moradores, essas famílias teriam adotado o local com a
autorização
do então diretor do Patrimônio da Santa Casa, Paulino
Teixeira. Porém, isso não foi confirmado. O fato é
que, em poucas semanas, a
área tomada, pertencente à Santa Casa já contava
com mais de
quinhentas casas, entre barracos, ranchos e tendas. Em defesa de seus
direitos, a Irmandade entrou na justiça, pedindo a
reintegração de
posse da gleba. Foi o estopim para o início dos protestos dos
moradores com o apoio da associação comunitária.
Com a liderança de Alcides da
Silva, presidente da Associação criada a partir da
mobilização
dos moradores, o grupo movimentou-se para garantir o direito de ficar
na área. Motorista de táxi e morador, Alcides logo se
destacou como
um eficiente organizador. Ele trabalhava à noite e durante o dia
ficava na vila, auxiliando as pessoas a construírem suas casas.
Quando em 31 de outubro de 1977, o juiz da quinta vara cível,
Cacildo de Andrade, concedeu a liminar de reintegração de
posse, os
moradores já estavam preparados para resistir à ordem de
despejo
sem que isso implicasse em desacato às autoridades.
E foi exatamente pensando na
representação e tentando encontrar uma maneira de se
fazer ouvir
que os moradores da Vila Monte Cristo criaram a
Associação
Comunitária. Com ela, acreditavam os novos moradores, teriam
mais
condições para a defesa de seus interesses. Afinal, eles
sabiam que
estavam ocupando um terreno que pertencia a alguém e que, mais
tarde, poderia reclamar o direito de posse. Desde aquela época
tinham presente a possível ameaça de despejo. Por isso a
organização.
Mas não foi apenas quando a
história da Monte Cristo chegou às páginas dos
jornais e também
às autoridades é que a associação
funcionou. Ao contrário, antes
disso, ela já vinha trabalhando, organizando a
ação dos moradores
em prol de um objetivo que era o de ficar nas terras. É
importante
que se diga ainda que o segredo do sucesso do grupo foi a
consciência
de solidariedade, concretizada pela Associação
Comunitária da Vila
Monte Cristo.
O impacto e a força da
mobilização dos moradores levou o presidente da entidade,
Alcides
Silva, aos gabinetes onde a decisão seria tomada. Resultado: a
ação
de despejo acabou sustada. As reuniões se sucederam, a cidade se
voltou para a vila, atenta aos acontecimentos, até que, no dia
17 de
novembro, o secretário do trabalho, Carlos Alberto Chiarelli,
anunciou a solução. Com uma fórmula conciliadora,
a qual defendeu
os interesses dos moradores, porém sem ferir os interesses da
Santa
Casa, a alternativa foi declarar a Vila Monte Cristo de utilidade
pública.
Com a vitória da Associação e
dos moradores, o exemplo da Monte Cristo repercutiu em toda a cidade.
Vários jornais de Porto Alegre acompanharam o desenrolar dos
fatos,
dando destaque para o que parecia impossível de acontecer: a
vitória
de um grupo, bem organizado, que ao lutar por seus interesses,
desenvolveu um tipo de vida comunitária eficiente no meio da
vila. A
seguir, a história da escola que surgiu a partir dos desejos da
comunidade Monte Cristo e de seus moradores.
|