Há uns três anos, numa feira de livro da Monte Cristo, aconteceu mais um dos vários episódios de abdução que tenho sofrido ao longo dos anos. Estava eu a passear pelas mesas cobertas de livros quando deu-se a captura. Apesar de meu ceticismo em relação a fenômenos extraterrestres, confesso que tenho sido vítima de seres de outro planeta.
Eles agem de forma sub-reptícia, imiscuindo-se nos títulos mais prosaicos. Pois foi assim que aconteceu comigo: Primeiro o título “Quase dez amores” paralisou meus olhos num transe hipnótico. O auditório e as pessoas que circulavam ao meu redor desapareceram de forma mágica. Não via nem escutava mais ninguém, sendo imediatamente teletransportada para um mundo repleto de fatos e pessoas do passado, afinal quem de nós já não teve, senão dez, pelo menos um ou quase amor?
Viram como eles são terríveis? Essas criaturas inumanas são perigosas, pois sabem atingir o ponto fraco de qualquer pessoa desavisada que costuma ingenuamente passear entre livros. O livro suspeito se prendeu às minhas mãos e por mais que tentasse, não conseguia largá-lo, provavelmente devia estar coberto por uma invisível substância colante. Por alguns minutos, uma estranha força me obrigou a folhear o livro, decifrar as primeiras palavras e de pronto arrancou de mim os primeiros sorrisos, transmutados em confissões, em desejos, os mais secretos. Não consegui evitar, era mais forte do que eu. Pronto, eles tinham vencido!
Depois de usurparem parte de minha atenção, num instante estava de volta ao auditório, mas já não era a mesma. Num jeito meio automático, como se uma programação tivesse sido colocada no meu cérebro, comprei o livro e levei-o para casa. Lá o mesmo fenômeno se repetiu e não sei por quantas horas estive ausente até que a última palavra foi lida. Queria, então, me livrar da coisa, e pensei em pessoas que não se deixam capturar através de livros. Entreguei-o a minha mãe, uma respeitável senhora dos seus 65 anos, ávida leitora de jornais, mas não de livros. Desde esse dia descobri que esses seres de outro planeta estão ficando cada vez mais sofisticados, pois conseguiram abduzir minha mãe que entrou madrugada adentro com o livro, a pobre, dando gargalhadas, completamente fora de si, despertando a curiosidade dos vizinhos.
Eu não podia acreditar no que estava acontecendo e então levei o livro para um lugar onde ele certamente ficaria esquecido: o quarto de minha sobrinha, cuja trajetória de leitura literária se resumia a cópias dos resumos de livros de suas colegas de aula. Na época, com seus belos 18 anos, ela costumava achar tudo muito chato, tá ligado? Dias depois, quando retornei à casa de minha irmã, vi minha sobrinha com um olhar diferente, um meio sorriso nos lábios e tive certeza: ela também havia sido capturada. Sem saber mais o que fazer, pedi a ajuda de minhas amigas que o entregaram a outras amigas e assim se foi o livro e hoje não tenho a menor idéia de onde ele se encontra. Só seii que fomos todas vítimas de experiências de seres de outro planeta.
A extraterrestre dessa vez foi Cláudia Tajes com seu livro de estréia “Quase dez amores”.
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