CANÇÃO
DE BARCO E DE OLVIDO
Não
quero a negra desnuda.
Não quero o baú do morto.
Eu quero o mapa das nuvens
E um barco bem vagaroso.
Ai
esquinas esquecidas...
Ai lampiões de fins de linha...
Quem me abana das antigas
Janelas de guilhotina?
Que eu vou
passando e passando,
Como em busca de outros ares...
Sempre de barco passando,
Cantando os meus quintanares...
No mesmo
instante olvidando
Tudo o de que te lembrares.
(Do livro Canções)
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OBSESSÃO
DO MAR OCEANO
Vou andando feliz pelas ruas sem nome...
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano...
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas... e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral...
Búzios calçando portas... caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos...
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su'alma perdida e vaga na neblina...
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos...
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas...
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.
(O Aprendiz de Feiticeiro)
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O MAPA
Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...
(E nem que fosse o meu corpo!)
Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...
Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E ha uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)
Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso
Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério
amoroso,
Cidade de meu
andar
(Deste
já tão longo andar!)
E
talvez de meu repouso...
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A RUA DOS CATAVENTOS
Da vez primeira
em que me assassinaram,
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha.
Depois, a cada vez que me mataram,
Foram levando qualquer coisa minha.
Hoje, dos meu cadáveres eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada.
Arde um toco de Vela amarelada,
Como único bem que me ficou.
Vinde! Corvos, chacais, ladrões de estrada!
Pois dessa mão avaramente adunca
Não haverão de arracar a luz sagrada!
Aves da noite! Asas do horror! Voejai!
Que a luz trêmula e triste como um ai,
A luz de um morto não se apaga nunca!
(Canções)
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O AUTO-RETRATO
No retrato que me
faço
- traço
a traço -
às vezes
me pinto nuvem,
às vezes
me pinto árvore...
às
vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança...
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão...
e,
desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no
final, que restará?
Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!
(Apontamentos de História Sobrenatural)
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OS POEMAS
Os
poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro,
eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante
em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então,
essas tuas mãos vazias,
no maravilhado
espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
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