Receita de ano novo
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?)
Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumidas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um Ano Novo
que mereça este
nome,
você, meu caro, tem
de merecê-lo,
tem de fazê-lo
novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente,
consciente.
É dentro de
você que o Ano Novo
cochila e espera desde
sempre. |
As
sem-razões do amor
Eu
te amo porque te amo,
Não
precisas ser amante,
e
nem sempre sabes sê-lo.
Eu
te amo porque te amo.
Amor
é estado de graça
e
com amor não se paga.
Amor
é dado de graça,
é
semeado no vento,
na
cachoeira, no eclipse.
Amor
foge a dicionários
e a
regulamentos vários.
Eu
te amo porque não amo
bastante
ou demais a mim.
Porque
amor não se troca,
não
se conjuga nem se ama.
Porque
amor é amor a nada,
feliz
e forte em si mesmo.
Amor
é primo da morte,
e da
morte vencedor,
por
mais que o matem (e matam)
a
cada instante de amor.
Poesia
Gastei
uma hora pensando em um verso
que
a pena não quer escrever.
No
entanto ele está cá dentro
inquieto,
vivo.
Ele
está cá dentro
e
não quer sair.
Mas
a poesia deste momento
inunda
minha vida inteira. |
Cantar de
Amigos
Daqui a vinte anos
farei teu poema
e te cantarei
com tal suspiro
que as flores
pasmarão, e as
abelhas,
confundidas,
esvairão seu mel.
Daqui a vinte anos:
poderei
tanto esperar o
preço da poesia?
É preciso tirar
da boca urgente
o canto rápido,
ziquezagueante, rouco,
feito da impureza do minuto
e de vozes em
febre, que golpeiam
esta viola
desatinada
no chão, no chão.
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A
Família que me dei
Meu pai montava a cavalo,
ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé
Comprida história que não acabava mais.
No meio dia branco de luz
uma voz que aprendeu
a ninar nos longe da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficara
em casa cosendo
Olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que
a minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
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