HISTÓRICO DO PROJETO SARAUS MUSICAIS
- Toda a Escola vivendo música -





Atualmente se ouve falar muito em projetos, estratégias, ações, debates sobre a busca da paz e da cidadania. Com minha experiência trabalhando no magistério, e considerando tudo o que já li e estudei sobre o assunto, tenho plena certeza de que a presença da música na vida de uma pessoa, desde sua infância, faz uma grande diferença. A música tem muitos “poderes”. Ela integra, desenvolve habilidades cerebrais, desenvolve criatividade, emoções, sensibilidade, reabilita na musicoterapia, alegra e dá muito prazer.

Uma luz acendeu-se com a aprovação da Lei de agosto de 2008 que implementa a obrigatoriedade do ensino da música na Escola Básica. A vivência da música parece-me estratégia ideal para termos pessoas mais sensíveis, mais tranquilas, mais equilibradas, enfim mais humanizadas, com menos possibilidade de serem pessoas violentas ou agressivas.

O projeto “Saraus Musicais” é desenvolvido na ESCOLA MUNICIPAL DE ENSINO FUNDAMENTAL VILA MONTE CRISTO a qual é uma escola da Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, RS.

Situando a Escola…

Para relatar o que foi o projeto, torna-se necessário colocar um pouco da história e do perfil da Escola, assim como da comunidade a qual ela está inserida. A escola está situada no Bairro Vila Nova, zona sul da cidade. Os alunos envolvidos, diretamente no projeto, são os alunos do II e III Ciclo, não excluindo a participação do I Ciclo bem como ex-alunos e toda a comunidade escolar.

A EMEF Vila Monte Cristo conta com aproximadamente 1400 alunos, em torno de 100 professores, localiza-se numa área originalmente rural, com população  composta de imigrantes italianos. Embora hoje seja área urbana, com grande número de pessoas assentadas pelo poder público que as deslocou de outras áreas de risco para a Vila Monte Cristo, a comunidade da Vila Nova ainda mantêm o cultivo de pêssego nas áreas mais amplas como um de seus marcos de produção. Os moradores da Vila Nova realizam anualmente, no mês de novembro, sua “Festa do Pêssego”.

A construção da Escola se deu a partir da criação da Vila Monte Cristo, no Bairro Vila Nova, atendendo à demanda da população. Inaugurada em abril de 1995, foi a primeira escola da Rede de Ensino Municipal de Porto Alegre a implantar os Ciclos de Formação conforme consta no CP.9 [1]. Desde sua origem manteve uma proposta político-pedagógica diferenciada voltada às classes populares, buscando o sucesso escolar e rompendo com qualquer possibilidade de exclusão, mantendo uma relação muito sólida com a comunidade e práticas coletivas garantindo a participação de todos. A gestão da Escola se dá pelo Conselho Escolar, Equipe Diretiva e Conselho de Pais Representantes.  

Como é estruturada a Escola…

É importante dizer que o Ensino das Artes previsto nos PCNs[2], acontece em três linguagens (música, teatro e artes visuais) sendo que as três são consideradas áreas de conhecimento e fazem parte do Currículo Regular da Escola. Cabe dizer também que na EMEF Vila Monte Cristo a Educação Musical está presente desde seu segundo ano de existência em 1996.

Na Educação Infantil (Jardim B, faixa etária 5 e 6 anos), os alunos possuem aulas de Educação Musical nas quais o professor especializado desenvolve seu trabalho em paralelo ao trabalho do professor referência da turma. No que tange às aulas de música, as atividades visam basicamente à percepção auditiva, desenvolvimento do ritmo e da expressão, através de canções folclóricas, populares e infantis, apreciação musical, assim como brincadeiras e jogos lúdicos.

No I Ciclo, ou seja, após a Educação Infantil, os três primeiros anos do Ensino Fundamental é desenvolvido em cada ano uma das linguagens artísticas sendo que, no primeiro ano, os alunos tem Educação Musical que também trabalha de forma que o letramento e a música aconteçam paralelamente. Sendo assim pode-se dizer que se iniciam as duas alfabetizações: alfabetização formal na língua materna e “alfabetização em música” (musicalização).
Quando os alunos chegam ao II Ciclo, isto é, os três anos seguintes, também desenvolvem uma linguagem artística em cada ano. E é no terceiro ano do II Ciclo que voltam a ter Educação Musical, na faixa etária de 11 e 12 anos. Diante de toda a instabilidade neste período por ser uma fase de transição, transformações hormonais, emocionais, físicas e sociais,  a música é muito importante pra ajudá-lo na aquisição de autocontrole, na elevação da sua autoestima e na busca da sua identidade. No final do terceiro ano do II Ciclo, uma vez que passaram pelas três linguagens artísticas, podem escolher uma delas conforme se identificam e conforme seu interesse, para ser desenvolvida durante os três anos do III Ciclo finalizando assim o Ensino Fundamental.

No III Ciclo avançam no domínio da linguagem musical aprofundando os parâmetros sonoros (duração, altura, timbre, dinâmica...) na prática instrumental, prática de conjunto, canto, grafia e leitura musical. É importante salientar que desenvolvem muito a improvisação e criação.

Além do Currículo Regular da Escola, a música também acontece de outras formas. Os sinais de entrada, ao invés de sirene, para que os alunos se dirijam à sala de aula, sempre são com música no autofalante variando-se os estilos. Conforme o tema do Sarau, naquela semana procura-se colocar música alusivas ao mesmo. A Escola também mantém os Complementos Curriculares em diversas áreas do conhecimento inclusive em música (flauta doce, teclado, técnica vocal, práticas instrumentais, etc., previstos no Regimento da Escola. Os alunos se inscrevem nos complementos conforme seu interesse. Existem ainda outros Projetos como “Mais Educação”, “Escola Aberta”, que contemplam a música.Os alunos participam no turno inverso ao horário regular das aulas, assim como é comum ex-alunos participarem junto na música.

Como surgiram os Saraus Musicais…

Uma vez tendo colocado a história e traçado o perfil da Escola passo a relatar como surgiram os nossos Saraus Musicais que iniciaram em 2008 e continuam acontecendo, crescendo e evoluindo até hoje. Salientando que o desenvolvimento do Projeto só está sendo possível devido à participação ativa, colaboração e companheirismo da minha colega, também Professora de Música, Caroline Cao Ponso e dos muitos colegas das diversas disciplinas, colegas da Biblioteca, o apoio da equipe diretiva e funcionários, pais e responsáveis pelos alunos. Os  Saraus Musicais estão sendo um verdadeiro trabalho de equipe. Vale dizer que continuam acontecendo também porque os alunos querem que continuem. “Esta é uma escola musical” são palavras deles quando falam na escola.

Em 2008, quando comemorávamos os 50 anos da Bossa Nova, os alunos, vendo a televisão divulgar o fato,  frequentemente comentavam e demonstravam curiosidade em conhecer o que foi a Bossa Nova. Fomos à Biblioteca da Escola coletar informações nos livros e recortes existentes sobre o assunto, juntando a outros materiais das professoras de música de alguns dos demais professores que foram colocados à disposição para a coleta de dados e resgate histórico da Bossa Nova.  Lá os alunos descobriram imagens, artistas, as músicas e a história daquele Movimento Musical.

Após essa etapa, fomos à midiateca, o laboratório de informática da Escola, onde tiveram acesso à pesquisa na internet. Além de obterem mais informações e imagens puderam ouvir, com os fones de ouvido, diversas das músicas citadas no material consultado.

Na sequência, já em sala de aula, fizemos uma “Mesa Redonda” onde reunimos CDs diversos para apreciarmos e analisarmos, fazendo os mais variados comentários de ordem técnica ou estética. Surgiu dos alunos a idéia de acharmos uma forma de apresentarmos as músicas cantando ou tocando individualmente, em duplas, trios... Percebi que já se encontravam “contagiados” pela Bossa Nova. Diante desse interesse fiz a proposta para as turmas, de realizarmos um Sarau Musical resgatando os Saraus de antigamente. Voltamos a novas buscas de informações sobre a história dos Saraus, e como aconteciam.
Descobriram que eram encontros culturais ou musicais, geralmente nos finais de tarde, quase começo da noite, normalmente em uma casa particular, onde as pessoas se reuniam para se expressarem, se manifestarem artisticamente, trocarem idéias... Era um evento bastante comum no séc. XIX que buscava prazer, troca, através de  concertos musicais, serestas, cantos e apresentações solo, demonstrações, interpretações ou performances artísticas e literárias.

A Biblioteca da Escola já realizava periodicamente os Saraus Literários e diante disso fizemos uma parceria.

A partir daí toda a Escola passou a “viver a Bossa Nova”. Com a certeza de que seria uma ótima oportunidade de integração, fiz um convite a toda a comunidade escolar para participar, professores, alunos, ex-alunos, pais, funcionários... Os alunos traziam CDs emprestados das mães, os professores ajudavam dando ideias e emprestando materiais. Professores de outras áreas, que haviam estudado flauta, violão pediam partituras e passaram a estudá-las pra tocar no dia do Sarau da Bossa Nova. A professora de música da Escola, Maria Luiza Cruz, que havia se aposentado, voltou e se preparou pra tocar no dia. Professores e alunos cantaram. Um estagiário do curso de música que já havia concluído seu estágio, participou dos ensaios e do Sarau falando sobre a participação de João Gilberto no movimento musical. Também acompanhou os alunos no canto e fez um solo de violão. O professor de História organizou um vídeo pra mostrar imagens e falar sobre o que estava acontecendo no Brasil e no mundo no período da Bossa Nova. Os alunos falaram sobre o que haviam descoberto nas suas pesquisas.

O Sarau aconteceu na Biblioteca, que foi transformada em um “barzinho” da época criando assim um ambiente, um “clima” de Bossa Nova. Foi realmente lindo e emocionante ouvir os alunos cantando “Tereza da Praia”, “Águas de Março” e outras canções, embora suas preferências musicais cotidianas pudessem ser pagode, rap, funk... Sem abandoná-las, ampliaram suas possibilidades musicais resgatando e conhecendo a Bossa Nova como um movimento da MPB[3]. A aprendizagem que aconteceu com a realização do Sarau, durante o período de ensaios e a preparação que o antecedeu, a prática instrumental, prática de conjunto, canto, as trocas de ideias, arranjos, com certeza marcaram profundamente a vida dos alunos, professores e, todos os envolvidos no evento. Tanto que, após encerrar o Sarau da Bossa Nova com todos cantando “Garota de Ipanema”, os alunos e todos os que participaram, emocionados pediram que os Saraus continuassem periodicamente com outros temas porque “foi muito bom fazer o Sarau” (expressão dos alunos).  

Saraus Musicais passam a ser Projeto na Escola….

Sendo assim o Projeto Saraus Musicais foi instalado com o objetivo geral de integrar os alunos à comunidade escolar através da música e como objetivos específicos, resgatar a História da Música, elevar a autoestima, desinibir, desenvolver prática instrumental e vocal, crescer como grupo fazendo música juntos, desenvolver habilidades como criatividade, adquirir postura de palco, usar adequadamente o microfone, escolher um repertório e ser uma plateia educada.

No início de 2009, a Biblioteca se preparava para a “Semana de Monteiro Lobato”. Dentro da programação da Biblioteca constava um Sarau Literário para os alunos da EJA[4], que funciona à noite onde seriam lidos poemas e textos de Monteiro Lobato. Foi proposto aos alunos que transformássemos o Sarau Literário em Sarau Musical também, numa parceria com a Biblioteca. Os alunos aceitaram imediatamente. Com os CDs da Trilha Sonora do Sítio do Picapau Amarelo selecionamos algumas das músicas para apresentarmos no dia do Sarau alusivo a Monteiro Lobato. Com isso passaríamos por vários de seus personagens. As músicas intercalariam as leituras dos poemas e textos. Os alunos, de certa forma, me surpreenderam aceitando cantar as músicas e não considerarem-se “infantis” por cantá-las. Nas aulas de música, primeiro analisaram seus diversos estilos, arranjos, instrumental usado, etc. Após começaram a escolher qual música cantariam, se seria canto individual, duplas ou grupos. Começaram a trabalhar seus próprios arranjos e sempre sob a orientação da professora. Houve participação de um aluno da noite que cantou e tocou o violão, criando assim uma maior integração entre os alunos dos diferentes turnos da Escola. Encerramos o Sarau após todas as apresentações intercalando com as leituras feitas por alunos e professores e todos os participantes, incluindo a platéia, cantando o “Sítio do Picapau Amarelo”.

Passado o Sarau alusivo a Monteiro Lobato, os alunos começam a falar que tinham visto na TV, jornais e revistas comentários sobre os 50 anos de carreira do Roberto Carlos. Surge então a ideia de realizarmos o próximo Sarau sobre a Jovem Guarda. Falaram que as mães, pais ou familiares tinham  CDs com músicas daquela época.  Começam as pesquisas na Midiateca, na Biblioteca, buscando material com outros professores, familiares e amigos. Um professor de história vai em busca de imagens da época para mostrar tudo o que estava acontecendo na época no Brasil e no mundo e monta um vídeo para ser projetado dentro do programa do Sarau.

Enfim a Escola e sua comunidade passam a viver e ”respirar” a Jovem Guarda. Paralelo à pesquisa, buscam e escolhem músicas para serem apresentadas no sarau e começam os ensaios. Preocupam-se em como criar um “clima” de Jovem Guarda no auditório onde acontecerá o evento. Surgem discos de vinil da época que são colocados expostos de forma decorativa. Alunos que fazem outras linguagens artísticas como artes plásticas e teatro perguntam se podem participar do evento musical. Integram-se ao grupo e também começam a preparar coreografias, músicas para cantar, buscam orientação e idéias com amigos e pessoas da comunidade, figurino emprestado, ex-alunos também se integram ao grupo para também participarem. Professores começam também a se preparar para fazerem parte do evento. E o “Sarau da Jovem Guarda” começa a “ganhar corpo”. Chegado o dia tão anciosamente esperado, lota o auditório e ainda ficam pessoas que não conseguem entrar. Muitos pais, familiares, professores, que viveram na época da Jovem Guarda fazem questão de comparecer ao evento. Emocionam-se diante do prazer que sentem ao se depararem com imagens, músicas e performances de uma época vivida e que faz parte de suas histórias de vida. Muitos alunos se apresentaram usando roupas da época.

A professora Rosinaura que é a bibliotecária da Escola abre o evento. Em seguida a professora Analice também responsável pela Biblioteca na época, fez uma abordagem geral sobre o que foi a Jovem Guarda. Entre as duplas, trios, grupos e indivíduos que se apresentam aparecem as músicas: Calhambeque, Splish splash, Parei na contramão, Devolva-me, Biquini de bolinha amarelinha, Estúpido cupido, Banho de lua, O Bom, Ternura e outras.

Encerramos o Sarau da Jovem Guarda cantando “Festa de Arromba” cantada por todos os presentes. Os professores nesse momento sugerem que façamos o próximo sob o tema  A Monte Cristo canta Roberto Carlos”. Fica definido para setembro. Para aprofundarem-se sobre o trabalho e toda a trajetória artística do Roberto Carlos, um aluno trouxe um filme realizado por ele “Roberto Carlos em ritmo de aventura”. Segundo ele seu pai o emprestou. Os alunos ficam impressionados com o mesmo, as roupas da época, as gírias, cenário, e os carros. Durante o filme tem oportunidade de ver e ouvir Roberto Carlos cantando. Ali mesmo, após o filme, já começaram a escolher qual música querem  apresentar.

Novamente começam os preparativos, escolha de músicas, ensaios,... A Escola entra em “clima” de Roberto Carlos, empréstimo de CDs por parte dos professores, pais, amigos. Busca de matérias sobre ele, clips na Internet,...

Algo impressiona, pois alunos, até então tímidos e que nunca haviam se exposto em público, demonstram interesse e começam a se preparar. Isso em duplas, trios ou pequenos grupos. Surpreendem a todos pela coragem e superação do medo de se expor. No dia previsto para o Sarau “ A Monte Cristo canta Roberto Carlos”, a professora Rosinaura abre o evento fazendo uma fala sobre o tema do Sarau e, o Coral Infantil abre as apresentações cantando a música “Fim de semana” acompanhados pela professora Caroline ao teclado.

Auditório lotado, surgem solos, duos, trios, quartetos, envolvendo alunos, ex-alunos e professores, interpretando diversas músicas como “ Detalhes”, “Como vai você”, “Nas curvas da estrada de Santos”, “Quando”,... Após o vasto repertório do Roberto Carlos encerra-se o Sarau com todos cantando “É preciso saber viver”.

Para encerrar o ano de 2009, o Projeto “Saraus Musicais”,  programa o “Sarau dos Grandes Festivais de MPB”. A Escola Monte Cristo passa então a “respirar” os Grandes Festivais: os alunos começam a pesquisar e uma nova “pasta” passa a fazer parte da área de trabalho do computador da sala de música: Era dos Festivais. Nas aulas de música e, em todos os momentos livres como, intervalos de aula, recreio, intervalo do meio dia, turno inverso,... alunos, ex-alunos, professores e funcionários buscam uma nova escuta: as músicas dos grandes festivais. Qual música mais se identificam? Que música possibilita arranjos e contra-cantos? Que música é a mais adequada para duetos, trios?...

As professoras de música se articulam e se revezam ouvindo os alunos, ensaiando,..Nas aulas de música os alunos ouvem diversas versões e interpretações da mesma música. Analisam, comparam, constatam diversos elementos como naipes instrumentais, dinâmicas, arranjos. Um grupo de professores prepara “Andança” e constatam que uma professora se sai muito bem fazendo o solo e os demais fazem um contra-canto.

Dois alunos resolvem interpretar “Disparada” a partir de uma versão gravada pelo Jair Rodrigues com Rappin Hood, que inclui o Rap na música original. Alternam-se, ora um fica na melodia original e o outro no rap, ora invertem. Um professor de história interpreta “Alegria, alegria”. Outro professor de teatro que nunca havia cantado antes, apresenta “Ando meio desligado” lançando mão de uma performace um tanto teatral que surpreende todos.

Dois alunos, que também são irmãos, interpretam “Eu quero é botar meu bloco na rua”, cantando e acompanhando com violão e percussão. Poderia citar muito mais, mas cabe ressaltar ainda a participação de um dueto muito interessante oqual emocionou muito. Duas funcionárias da cozinha interpretando “A banda” de Chico Buarque de Holanda, com isso, provando que não é só na cozinha que se saem bem.

Encerramos os Saraus Musicais de 2009 com todos os seus objetivos alcançados, já com algumas sugestões dos alunos para o próximo ano. Iniciando o ano letivo de 2010, surge o primeiro Sarau com o tema “Porto Alegre”, alusivo a Semana de Porto Alegre. Novamente a Escola toda se articula em função da preparação do mesmo. Os alunos descobrem os diversos estilos de música ligada à Porto Alegre, tanto na música urbana como na música típica gaúcha, regionalista, nativista e folclórica. Descobrem as características próprias de cada uma, os Festivais Gaúchos suas bandas e conjuntos musicais, suas histórias e especificidades. Paralelo às pesquisas iniciam-se também as escolhas de repertório, CDs circulam pela escola, combinações entre alunos, independente de turma passam à se agrupar, enfim os ensaios iniciam e muitas músicas são ouvidas e analisadas. Os alunos ficam impressionados quando conhecem a história de Elis Regina que era portoalegrense, encantados com Lupicínio Rodrigues, assim como, conforme seus gostos e preferências musicais vão atrás das bandas e grupos ligados ao pagode, ao rap, ao rock, produzidos ou com alguma ligação com Porto Alegre. No dia do Sarau, Porto Alegre vem para o palco e toda comunidade escolar se encanta com o sucesso do mesmo.

Como próximos temas, surgem entre os alunos, Trilhas Sonoras de Novelas e como terceiro sarau do ano, Trilhas sonoras de filmes. Começam as buscas, com as mães atrás de novelas antigas, criam trilhas sonoras na sala de aula, buscam vídeos na internet atrás de clips de novelas para colocar só as imagens no telão que se encontra no palco, enquanto a música da sua trilha. Nas suas pesquisas, passam a conhecer como eram feitas e como aconteciam as novelas de rádio que existiam antigamente. Foi interessante ver que cada um buscava músicas de acordo com seu estilo preferido, inclusive ligadas a temas dos saraus anteriores como os Festivais da MPB, Bossa Nova, etc. A diversidade foi enriquecedora para ampliarem seus conhecimentos em música.

O terceiro Sarau do ano cujo tema foi Trilhas de Filmes aconteceu semelhante ao anterior nas pesquisas, nas buscas de repertório, na diversidade de estilos. O que ampliou muito foi a diversidade de línguas por encontrarem filmes estrangeiros. Com isso os professores das línguas inglesa, francesa e espanhola se envolveram muito, ajudando na pronúncia, nas traduções, se apresentando junto com os alunos, etc. Aparecem também mais alunos se envolvendo com a dança além do canto e dos instrumentos. Aí também envolvem os professores de Educação Física e professores que tenham conhecimento ou pratiquem dança, mesmo que suas áreas de conhecimentos sejam outras, na criação e ensaios de coreografias.
 
Já no verão, à pedido dos alunos, fizemos o último Sarau do ano, “Sarau do Samba”. Teve samba de raiz, pagode, samba Bossa Nova, enfim samba para todos os gostos. Esteve presente, com sua percussão, uma Banda de Pagode da comunidade à convite de Ex-alunos.

A integração dos alunos com a banda foi perfeita. Ver e ouvir a  percussão da banda tocando junto com o teclado e o violão dos alunos, foi gratificante. Surpreendeu à todos. Na preparação para se apresentar, um grupo de alunos que gosta muito de Pagode, passam à se identificar como o grupo “Só pagode”. Atualmente tocam acompanhando vários estilos musicais e continuam com o grupo se apresentando em outros eventos da escola e comunidade. Em 2011, aconteceram dois grandes saraus, um em cada semestre. O formato do Sarau não mudou mas houve uma evolução na sua aparência. Houve uma preocupação maior com a decoração ou seja, o ambiente identificado de alguma forma com o tema ou com a música. Passamos a ter um programa para a plateia se guiar na ordem de apresentação.

O primeiro foi o “Sarau do Amor” por acontecer próximo ao Dia dos Namorados. Embora o tema abrangesse todas as formas de amor. O repertório devia envolver músicas que tivesse alguma ligação com o amor. Todas as modalidades são exploradas, canto, instrumento dança, etc. Além das pesquisas na música, a filosofia trabalhou  o tema e os alunos montaram vídeos sobre o amor para serem projetados no dia do Sarau. Com imagens e trilha sonora dentro do tema.

Este foi um Sarau marcante tanto para os alunos como para toda a comunidade escolar. Tivemos inclusive uma mãe que se apresentou cantando onde alunos a acompanharam na parte instrumental. O brilho nos olhos da filha do orgulho que sentia vendo sua mãe adotiva cantar diante de toda a escola, transpareceu à todos. A participação de alunos da EJA (Educação de Jovens e adultos) foi muito importante. Durante a preparação e ensaios houve uma integração entre alunos do noturno com o diurno. Neste momento a escola toda envolveu-se com o amor. A convivência e a troca entre alunos é lindo de ver. Nos Saraus Musicais não existem limitações por fazerem parte de turmas diferentes. Todos são colegas e se agrupam conforme a identidade com a música que será apresentada. Conseguimos fazer com que a Educação Musical aconteça, aproveitando toda a diversidade musical trazida do cotidiano dos alunos bem como, contempla-se os diferentes níveis de conhecimento existentes entre  eles. 

Circulam pelas aulas de música e pelos ensaios, independente da faixa etária e do ano ciclo. Os arranjos são pensados de forma que contemplem os diversos níveis de conhecimento. Em uma mesma música, podemos ter o momento em o aluno que toca violão mais avançado tem sua parte assim como, o aluno que está começando também. Em algum momento do repertório todos terão sua participação. Surgem algumas falas como: “esta parte o fulano já consegue fazer...”, “quem sabe colocamos uma segunda voz aqui..,” “ as flautas podem fazer essa parte da melodia...”, “ o grupo de canto pode fazer o refrão e esta parte da música que é mais difícil o fulano e a fulana, que já conseguem afinar bem, podem fazer solo.” Surgem questionamentos como: “Fulano tu queres fazer essa parte da música? É um pouco mais difícil mas eu te ajudo e tu estudas bastante, aí tu consegues”.

Os alunos maiores tem um cuidado e um senso de proteção com os menores e estes se espelham nos maiores. É como se fossem seus “ídolos”, é como querem ser no futuro. No segundo semestre na “Semana do Gaúcho” foi outro grande Sarau, “A Monte Cristo canta o Rio Grande”. Vivenciamos a nossa cultura em todas as suas dimensões. As pesquisas buscas de conhecimento tanto na sala de aula, como de forma extra-curricular foram intensas. Descobriram as diferenças entre o Movimento Tradicionalista e Nativismo inclusive se posicionando sobre os fundamentos e principios de cada um. Buscaram também a música gaúcha urbana, as bandas, artistas, compositores que marcaram a História da música no Rio Grande do Sul. E a partir daí foram definindo o repertório que iriam apresentar. O canto, as danças e os instrumentos estiveram presentes. No dia do Sarau, espontaneamente procuraram vir com algo na aparência que identificasse o Rio Grande do Sul. Isso porque estavam “contagiados” pelo “clima” no ambiente da escola.

Fechamos o ano de 2011, no Projeto “Saraus Musicais”, com “chave de ouro”. Todos realizados porque mergulhamos profundamente na música do Rio Grande do Sul, integrando com as disciplinas de História, Geografia e Português. Estamos em 2012 e o Projeto “Saraus Musicais” continua acontecendo e evoluindo na sua estrutura, no aprofundamento do conhecimento e no envolvimento da comunidade escolar.

Para iniciar o ano letivo, descansados das férias, pensamos em algo novo para a Comunidade Escolar, que pudesse trazer muito conhecimento. Então surgiu o “Sarau Clássico”, ou seja, seu tema seria música erudita, em qualquer modalidade, canto, instrumentos, dança, performance… Como sempre, o tema é lançado e trabalhado nas aulas regulares ou complementares do turno inverso.

Primeiro foi estudado uma “linha do tempo”, com audições paralelas e vídeos sobre alguns dos períodos da História da Música para descobrirem a música clássica na música erudita e com isso estabelecerem o que é a música erudita, chamada de clássica, e o que é a música clássica dentro da História. Durante as audições, muitos alunos se surpreederam com muitas das músicas ouvidas, pois já as conheciam em propagandas, trilhas sonoras,  celulares, só não sabiam muitas vezes nem o nome da música ou sua contextualização. Assistiram filmes como “Fantasma da Ópera” e foram para INTERNET buscar vídeos e ideias de  repertório para apresentarem no Sarau. Buscas, pesquisas, troca de materiais, ensaios, enfim, mergulharam na música erudita.  

No dia do Sarau ouvimos: “Pour Elise”, “Trenzinho do Caipira”, solos de violão, solos de flautas, canto, e muitas outras. Mais uma vez todos saímos realizados e já pensando no próximo. Todo o país se prepara para as Olimpíadas de Londres e com isso na Escola Monte Cristo surge o Sarau “Invasão Britânica”. Assim que o tema foi definido, iniciaram-se os estudos, as pesquisas e as buscas de materiais sobre o assunto. Não só na música, também na Educação Física, na História e Geografia, na Língua Inglesa, etc. Surgem as Bandas, artistas e compositores britânicos. Já conheciam Adele, Amy Winehouse e passaram a conhecer ou a aprofundar mais sobre Beatles, Rolling Stones, etc. No repertório também aparecem músicas folclóricas e barrocas da Inglaterra.

No Programa houve uma diversidade interessante dentro do tema. Tivemos a oportunidade de ouvir “Love of my life”- Queen, interpretada por um professor de inglês, uma professora de Educação Física e um dos professores de História; “Someone Like You” – Adele, com o solo de uma aluna com um grupo de alunas fazendo um vocal; “All my loving” – Beatles, interpretada pelos alunos de flauta, aluna do teclado e as vozes de duas colegas, uma Professora de Educação Física e outra Professora Generalista; “Fie on this Feigning” – John Downland, música Renascentista na voz de uma Professora de Educação Física e Dança; alunos de flauta tocaram música barroca em arranjo com percussão e violão criado por eles,etc. Na trajetória para chegar a este programa, o conhecimento, a  convivência e a cooperação que aconteceu, foi inesquecível

Nosso mais recente Sarau foi à pouco, no início de outubro. Desta vez o tema veio da sugestão de um dos professores de matemática, Sarau “Você é seu ídolo” . Cada aluno ou grupo de alunos deveria pensar no seu ídolo para apresentar algo dele, representando-o. Isto, como sempre, em qualquer modalidade musical, canto, dança, instrumento ou performance. Como era esperado, a diversidade foi grande. Nos trios, duplas, grupos, procuraram um ídolo comum. O interessante é que quando  escolheram  a sua música, dentro do seu estilo preferido, naturalmente procuravam qualidade. Este fato deixou claro seu senso estético estava evoluindo.

O movimento de busca e pesquisa começa a acontecer, tinham que descobrir tudo sobre seu ídolo, sua história, sua obra, enfim conhecê-lo. Apareceu até desenhos e graffites do seu ídolo. A música escolhida tinha relação com a idade, o gosto, a vivência e também os acessos, incluindo nos Saraus anteriores, assim como conhecimentos adquiridos no cotidiano dos alunos, ex-alunos, enfim das pessoas que participaram.

Ouvimos desde música de novela, como das “Empreguetes”, canto e coreografia, até Chico Buarque, Elis Regina, músicas de artistas  internacionais, etc. Este sarau foi tão procurado que o programa continha mais de 20 músicas. E ninguém reclamou de cansaço, o auditório esteve lotado, inclusive com a participação dos alunos da EJA na plateia.

Nas apresentações tivemos alunos, ex-alunos, professores, e um professor de violão da comunidade tocando e cantando com os alunos. Os agrupamentos também foram variados, alunos com alunos, alunos com ex-alunos, alunos com professores, solos, e a novidade, uma apresentação de alunos com seu professor de música de uma outra escola da mesma comunidade. Encerrando este relato, acredito que a música na escola pode mobilizar o grupo de professores, a equipe diretiva e a comunidade em projetos amplos, que agreguem o maior número de pessoas voltadas ao fazer musical coletivo, alunos, ex-alunos, pais enfim, toda a comunidade escolar.

Acredito que os “Saraus Musicais” da Escola Monte Cristo vão continuar, crescendo e evoluindo porque já se encontram na essência desta “Escola Musical”!

Professora Maria Helenita Nascimento Bernal

[1] CP.9 – Cadernos Pedagógicos 9 – Secretaria Municipal de Educação . Porto Alegre, dezembro, 1996

[2] PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais

[3] MPB. Música Popular Brasileira

[4] EJA. Educação de Jovens e Adultos