PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA
TEXTO - 1

Anais do 2º Congresso Brasileiro de Extensão Universitária

Belo Horizonte – 12 a 15 de setembro de 2004

Educação Infantil: Formação de Professores e Inclusão da Família na Escola Área Temática de Educação

Resumo

As instituições de Educação Infantil têm procurado inserir na sua prática cotidiana tanto os pais como a comunidade. Uma boa articulação entre a família e a instituição, visando ao mútuo conhecimento dos processos de educação, valores e expectativas é, portanto, necessária. Para acolher e interagir com as diferentes estruturas familiares nas instituições, a formação de seus profissionais é fundamental. Neste sentido, o “Programa Emergencial para Habilitação Profissional em Nível médio, Modalidade Normal, do Professor de Educação Infantil, em Exercício” tem preparado profissionais da Educação Infantil para o exercício competente da profissão, dando suporte para uma formação adequada e de qualidade. O objetivo do presente trabalho é analisar a experiência desse Programa “oferecido pela Universidade Federal de Viçosa sobre a atuação dos alunos na inclusão da família na escola. Inicialmente, utilizou-se de pesquisa documental por meio da análise de 14 projetos de intervenção e os respectivos relatórios dos alunos. Posteriormente, foram analisados os relatos dos alunos em atividades de sala de aula e seminários e o relato das famílias que participaram dos projetos. Os resultados revelaram que a inclusão da família na escola não é uma tarefa fácil mas ela é possível, quando se procura as estratégias mais adequadas e viáveis.

Autoras

Márcia Onísia da Silva (acadêmica de Economia Doméstica)

Maria José de Oliveira Fontes (Professora Assistente)

Naíse Valéria Guimarães Neves (Técnica de Nível Superior)

Instituição

Universidade Federal de Viçosa – UFV

Palavras-chave: educação infantil; família; formação de professores Introdução e objetivo

Atualmente, há uma ferrenha discussão entre educadores e vários segmentos da sociedade no que diz respeito à participação e o envolvimento da família no cotidiano escolar de seus filhos.

No atual contexto sócio-econômico em que se encontra o país, pais e mães têm se distanciado cada vez mais do ambiente doméstico, gerando assim, o ingresso precoce da criança na escola.

Esta última, por sua vez, não pode arcar sozinha com a responsabilidade de cuidar e educar de crianças pequenas, sem o conhecimento das aspirações da família quanto à sua educação. Assim, torna-se necessário uma articulação entre família e instituição, visando o mútuo conhecimento dos processos de educação, valores e expectativas para que ambas se complementem, conforme o art. 29 da LDB/96. De acordo com a Unesco (2003), “é crucial que a Instituição de Educação

Infantil respeite e valorize a cultura das diferentes famílias envolvidas no processo educativo”, devendo estimular a participação destas no cotidiano escolar. Esta, não é tarefa fácil, pois muitos pais trabalham fora de casa o dia todo, não dispondo de tempo para acompanhar seus filhos na escola, outros mesmo que tenham tempo, consideram que sua participação não é importante, creditando ao professor a tarefa de educar sozinho seu filho.

É claro que escola e família são instituições diferentes, que se contextualizam em vários moldes culturais, merecendo respeito mútuo, devendo-se assim, encontrar o ponto de convergência entre ambas. Cabe ressaltar ainda, que tanto a escola quanto a família, têm passado por transformações importantes. A família deixou de ser extensa, constituída por avós, pai, mãe, filhos, noras, genros e netos residindo na mesma casa, concentrando-se hoje, em núcleos menores e, muitas vezes, diferentes da tradicional família nuclear, configurando-se em outros modelos como monoparental (somente um dos pais), formadas por casais separados que tinham filhos de outro casamento e, mesmo por casais de homossexuais. A escola, por sua vez, está deixando de ser tradicional, na busca de novas metodologias de ensino, de novas formas de trabalhar a construção do conhecimento, inclusive, procurando respeitar a bagagem que seus alunos já trazem, tentando inserir em suas práticas cotidianas a comunidade, os pais e outras pessoas a quem possam interessar suas atividades.

Cabe às instituições de educação prepararem-se para acolher e interagir com as diferentes estruturas familiares que constituem a sociedade nos dias atuais. Para tanto, a formação de seus profissionais é de extrema importância pois, no dia-a-dia, são eles que vão lidar com a criança e sua família.

A formação de professores é um dos itens contemplados pela LDB, em seu artigo 62 redigido nos seguintes termos: “a formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério da educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade normal”. Aqui chama-se a atenção para a ênfase na formação de professores da educação infantil, cuja redação na LDB, é clara ao afirmar que é admitida a formação em nível médio, porém exigindo que seja na modalidade normal. Isto significa que é emergente a habilitação desses profissionais, conferindo-lhes a graduação necessária para que possam continuar a atuar neste nível de ensino. A mesma LDB, institui a década da educação, iniciada em 1997 que terá seu encerramento em 2007, afirmando que até o final deste período, somente serão admitidos profissionais habilitados em nível superior ou formados por treinamento em serviço.

Neste contexto, foi criado, em Minas Gerais, o Programa Emergencial para Habilitação Profissional em Nível médio, Modalidade Normal, do Professor de Educação Infantil, em Exercício, que faz parte das ações do Programa Minas - Universidade Presente, aprovado pelo Conselho Estadual de Educação. Ele foi implantado em 1997, com o nome de Programa Minas por Minas; a partir de 2001, recebeu o nome de Programa Minas – Universidade Presente. Desde

a sua implementação, o desenvolvimento de suas ações tem ocorrido em parceira com diversos órgãos e instituições do estado de Minas Gerais tais como: Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Esporte – SEDESE, com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador); Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais, Instituições de Ensino Superior de Minas Gerais, e Prefeituras Municipais das regiões atendidas. O Curso de Habilitação do Educador Infantil, integrante do Programa, tem preparado profissionais da Educação Infantil para o exercício competente da profissão, dando suporte para uma formação adequada e de qualidade. Ele é oferecido em módulos, nos quais são trabalhados diversos conteúdos voltados para a atuação profissional, fornecendo os subsídios necessários para execução de projetos de intervenção na prática pedagógica diária dos seus alunos.

Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar a experiência do “Programa Emergencial para Habilitação Profissional em Nível médio, Modalidade Normal, do Professor de Educação Infantil, em Exercício”, oferecido pela Universidade Federal de Viçosa no que diz respeito à atuação dos professores em instituições de educação infantil, tomando por base as ações voltadas para a inclusão da família na escola. Especificamente, pretende-se analisar as principais estratégias utilizadas pelos alunos do curso de Habilitação do Educador Infantil para a inclusão da família na escola; descrever sobre os impactos de algumas dessas intervenções nas instituições envolvidas e nas famílias e relatar sobre a contribuição dos projetos de intervenção na formação e atuação dos alunos.

Metodologia

Na Universidade Federal de Viçosa, o “Programa Emergencial para Habilitação Profissional em Nível médio, Modalidade Normal, do Professor de Educação Infantil, em Exercício” foi registrado como projeto de Extensão, nº 246 em setembro de 2000, sendo, portanto, reconhecido e aprovado pela administração superior. O Curso de Habilitação do Educador Infantil encontra-se em andamento, tendo iniciado em novembro de 2002, com previsão de término em dezembro de 2004. Ao final do curso, os alunos receberão a certificação pela Escola Estadual Luiz Salgado Lima, localizada em Leopoldina e pertencente à 19a SRE, indicada pela 33ª Superintendência Regional de Ensino de Ponte Nova. A certificação emitida confere habilitação do Ensino Médio, modalidade Normal.

O Programa atende um total de 45 alunos, que são profissionais atuantes na Educação Infantil, na região da zona da Mata Norte de Minas Gerais. Deste total, 4 são candidatos à capacitação pois já possuem a habilitação e 41, à habilitação em nível médio. As instituições participantes do curso são dos municípios de Viçosa, Urucânia, Santo Antônio do Grama, São Geraldo e Canaã. Dentre essas instituições, oito são públicas, quatro particulares, quatro filantrópicas e uma federal.

O curso é oferecido em três módulos, todos com etapas presenciais e semipresenciais e, na UFV, já foram concluídos os dois primeiros módulos. Na etapa semipresencial, os alunos têm oportunidade de desenvolver diferentes trabalhos nas instituições em que trabalham: são projetos de intervenção relacionados com os conteúdos da etapa presencial. Os projetos são orientados por instrutores do curso, que avaliam a viabilidade da aplicação dos mesmos nas diversas instituições da cidade e da região, bem como a coerência de seus objetivos e aplicabilidade destes nas diferentes realidades encontradas. Após a execução do projeto, os alunos elaboram o relatório que contém, entre outros, avaliação e os impactos alcançados com o mesmo. A aplicação é de responsabilidade do aluno e da instituição à qual está vinculado e, posteriormente, os resultados são apresentados em seminários e avaliados pelos instrutores.

Para a realização deste trabalho foi feita, inicialmente, uma pesquisa documental por meio da análise de projetos e relatórios de todos os alunos do referido curso, elaborados e executados no período de outubro a dezembro de 2003. Em uma segunda etapa, foram analisados os relatos dos alunos em atividades de sala de aula e em apresentação de seminários enfatizando o relato das famílias que participaram dos projetos. Foi analisado um total de 14 projetos de intervenção e

seus respectivos relatórios, realizados por grupos formados pelos alunos de cada instituição envolvida.

Resultados e discussão

Para Trancredi e Reali (2002), envolver a família no cotidiano escolar das crianças, pode significar uma interação entre as duas instituições, escola e família, com vistas a conhecerem-se melhor e realizar um trabalho em conjunto. As instituições devem propor um trabalho de esclarecimento e troca de informações com as famílias, de forma a incentivar sua participação no programa de atendimento à criança (Campos, 1998). São várias as estratégias possíveis de serem realizadas, dentre elas destacam-se: reunião de pais, conferências individuais, contatos informais, visitas domiciliares, participação dos pais em atividades com as crianças, empréstimos de livros, festas e comemorações, informativos, palestras, seminários e excursões com a participação dos pais (Neves, 2003).

 

TEXTO - 2

“O novo paradigma da educação infantil: perspectivas para atuação das organizações sociais”.

Por Antonio José Angelo Motti

 

ALGUNS PRINCÍPIOS BÁSICOS

 

ALGUMAS IDÉIAS BÁSICAS

Rapidamente nos chegou o 3° Milênio. Devemos refletir se a ele chegamos melhores ou piores do fomos no século XX? Ou seja, chegamos mantendo tradições que violam os direitos das pessoas, ou criando e mantendo tradições que garantem direitos?

UM CAMINHO, UMA ÉTICA

Podemos pois criar uma nova tradição neste novo milênio. Em 1988, com uma nova Constituição, num grande movimento social, o Brasil escolheu o caminho do novo. Nele está encarnado uma proposta ética dos brasileiros para o futuro.

UMA NOVA CONDUTA PARA TODOS

Depois de nossa Constituição de 88 e das leis que produzimos: Estatuto;LDB e Lei Orgânica, criamos um sistema indutor de novas conduta, pelo qual passamos a ver meninos e meninas naquilos que de fato são: crianças e adolescentes - seres humanos plenos de direitos. Na nova regra nacional, reconhecemos o dever de todos em garantir o pleno desenvolvimento de toda e qualquer criança brasileira.

A CAPACIDADE INFANTO-JUVENIL

Na nova regra nacional, reconhecemos que crianças são capazes de viver; de se relacionarem com pessoas; de entender a diferença entre o certo e o errado; de compreender o sentido ético da vida; de fazer coisas; de mentir e de falar a verdade; de agir no mundo com direitos e obrigações.

UMA CAPACIDADE PROGRESSIVA

Na sua evolução como indivíduos e como pessoas, as crianças vão progressivamente amadurecendo para cada uma das coisas da vida. Esse amadurecimento progressivo agora é respeitado pelas leis do país, e deve ser respeitado pelas pessoas comuns ou pelas autoridades e pelas instituições.

DE INCLUSÕES E DA EXCLUSÃO

Nesta nova ética rompemos com a tradição de criar instituições para excluir meninos e meninas da convivência social, pois entendemos que todos devem ser incluídos no sistema social de educação, de saúde, de esporte, de cultura , de lazer, de segurança pública, etc. Quando criamos instituições para excluir meninos e meninas da convivência social, estamos tratando-os como menores, estamos repetindo as velhas tradições.

A DOUTRINA DA PROTEÇÃO INTEGRAL

A mudança que promovemos se deve a uma nova doutrina, doutrina que ainda estamos construindo no século XXI - a doutrina da Proteção Integral. Nela se quer proteger meninos e meninas, não em sistemas para pobres, carentes, abandonados, mas em sistema multiparticipativo de cidadania social.

CIDADANIA SOCIAL, CIVIL E POLÍTICA

Crianças (para a proteção integral) são hoje cidadãos sob o ponto de vista social. Esses cidadãos sociais vão ganhando a cidadania sob o ponto de vista civil e o ponto de vista político em idades posteriores, segundo o amadurecimento que vão adquirindo. Isso é moderno, adequado, conveniente e ético.

DE DIREITOS E DE OBRIGAÇÕES

Quem tem direitos automaticamente tem deveres. Ao incluirmos crianças no mundo do Direito (como sujeitos de Direito) transformamos crianças em sujeitos de direitos e de obrigações. Essa é a base do novo paradigma da educação infantil – um direito da criança, um dever dos pais ou responsáveis em incluí-la, uma obrigação do Estado em ofertar serviços.

Os Novos Paradigmas da Educação Infantil

O PROCESSO DA EDUCAÇÃO

Nossa nova ética prevê o direito e a compulsoriedade do ensino básico com as qualidades necessárias ao desenvolvimento da cultura geral da criança, com oportunidades iguais para desenvolver aptidões, senso de responsabilidade moral, capacidade de emitir juízo, etc.

O DIREITO À EDUCAÇÃO

Toda criança tem direito ao acesso, regresso, permanência e sucesso ao sistema de educação, sendo o Estado o responsável pela oferta dos serviços. Nesse campo, todos devemos obedecer aos princípios da Convenção Internacional que diz que a oferta de ensino à criança, deve ser obrigatório e compulsório.

A OBRIGATORIEDADE

Sendo o ensino básico um direito, a criança e seus pais não têm o direito de não querer exercê-lo. Os pais que não o exercem praticam o crime de abandono intelectual do filho. Para garantir a obrigatoriedade - pelos pais, pelo filho, pela escola - pode ser acionado o Conselho Tutelar.

ALGUNS DIREITOS DA CRIANÇA EDUCANDA

No Brasil outorgamos à criança o direito de estudar próximo à sua residência, de ser respeitado por seus educadores e de contestar os critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias superiores daquilo que na escola lhes parece incorreto ou injusto.

DEVERES DA CRIANÇA

São deveres de crianças e de adolescentes freqüentar as aulas, submeter-se às regras corretas do sistema de ensino, respeitar seus educadores e os princípios da convivência cidadã.

DIREITOS DOS PAIS

Os pais tem o direito e o dever legal de participar do processo pedagógico oferecido a seus filhos, podendo participar ainda da definição das propostas educacionais, através principalmente de atuação em órgãos colegiados (Conselhos de Escola, Conselhos de Pais e Mestres, Conselhos de Comunidade, etc).

O ÂMBITO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

As antigas creches que foram no passado organizadas no âmbito da política da assistência social devem passar agora para o âmbito da política de educação. Os sistemas de ensino dos Estados e municípios e as instituições que desenvolvem esses serviços devem se adaptar a esse processo alterativo da organização social brasileira.

AOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA

 Também é assegurado atendimento educacional especializado àqueles que são portadores de deficiência, como medida de integração na rede regular de ensino. Ética e legalmente os operadores do Sistema de Ensino deve se ajustar às crianças e adolescentes e não o contrário como vem acontecendo.

O DIREITO DE BRINCAR

Proteger a criança no seu desenvolvimento bio-psico-social, entre outras coisas, significa privilegiar o seu amadurecimento cognitivo, inclusive o direito de brincar.

O QUE SIGNIFICA BRINCAR

Brincar para a criança é o meio de exercer a capacidade de relacionamento consigo mesma, com o mundo e com a sociedade de que faz parte e progressivamente madurecer. É isso: a criança faz amadurecer a sociedade que a respeita. É também brincando que ela se faz sujeito no mundo da cidadania.

RETROSPECTIVA  DA ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

UMA HISTÓRIA DE DIFICULDADES

O processo institucional de atendimento à criança pequena, historicamente operado pelas creches, sempre enfrentou grandes dificuldades para afirmar-se enquanto espaço de execução de propostas pedagógicas de educação infantil.

UMA VINCULAÇÃO EQUIVOCADA

Essas dificuldades são entendidas pela histórica vinculação dos serviços de creche e pré-escola as ações assistenciais, ratificadas em sua missão de cuidar, guardar e assistir crianças pobres, executando assim ações paliativas e emergenciais voltadas ao combate a pobreza e mesmo de redução da mortalidade infantil.

A VISÃO REPRODUZIDA

As instituições que prestam serviços às crianças pequenas, trabalham com uma visão de infância, difundida na sociedade, como um ser incompleto, um não-adulto que precisa de ser cuidado. Essa visão equivocada reduz a atenção a reprodução dos cuidados maternos, agregando a compaixão, frente a situação de dificuldade por que passam crianças, ou mesmo pela natureza de fragilidade dessa faixa de idade.

A LEGITIMIDADE DO ILEGÍTIMO

Por Ter atuado, desde seu surgimento, em um campo que não lhes é legítimo, as instituições se justificam em suas ações de natureza paliativa, emergencial. Dessa forma, anos a fio, têm se afastado do compromisso de se tornarem instituições permanentes, abrangentes e acessíveis a todos os cidadãos.

PERSPECTIVAS PARA ATUAÇÃO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

 

COMO GARANTIR DIREITOS

 Critérios éticos internacionais e nacionais, formalmente adotados pelos Brasil definem como toda criança e adolescente, como pessoa humana, deve estar a salvo de qualquer forma de discriminação, negligência, opressão, violência e crueldade. Isso, se queremos ser éticos, justos e responsáveis.

COMO AGIR SEM EXCLUSÃO SOCIAL

Assim nossas instituições sociais devem Ter o propósito de integrar crianças nos benefícios públicos da produção de bens, da educação, da saúde, do esporte, da cultura, do lazer, da segurança pública, da justiça. É assim que, através de suas instituições, pode e deve se trabalhar por uma sociedade sem exclusão social.

A DIMENSÃO SOCIAL DA CIDADANIA

A nova regra constitucional brasileira introduz a dimensão social da cidadania, que consiste em: 1. No poder real de cada um fazer valer o direito de ter atendidas as suas necessidades básicas; 2. No poder de participar (por si e por representantes) do processo de decisão administrativa sobre as políticas de seu país. O caminho é o da democracia participativa que devemos construir (participando) no dia a dia de nossas vidas rumo à ética do novo milênio.

O PROCESSO ALTERATIVO

Quanto mais agregamos pessoas para garantir direitos, mais alcançamos a dimensão social da cidadania e mais criamos um processo alterativo que é o processo em que todos (ou ao menos os que são conscientes disso) alteram, mudam, transformam hábitos, usos e costumes das comunidades.

COMO AGIR PARA INCLUSÃO

 

A NATUREZA PÚBLICA DOS SERVIÇOS DE EDUCAÇÃO

Os serviços de educação infantil desenvolvidos pelas Organizações Sociais são de interesse público, e visam o bem comum. Privados são os do interesse de particulares. A Constituição e o Estatuto brasileiro dizem que serviços ou programas públicos são planejados, executados e controlados por organizações governamentais e por organizações da sociedade.

PRECEDÊNCIA NA ATENÇÃO

Serviços públicos planejados, executados e controlados por organizações do governo ou pela sociedade, devem obedecer às normas internacionais e nacionais que fixam a precedência de atendimento de que devem gozar as crianças e adolescentes, se queremos ser éticos, justos e responsáveis.

OS RECURSOS DAS COMUNIDADES

O Estatuto fala em destinação privilegiada de recursos para a proteção dos que são ameaçados ou violados em seus direitos. Comunidades (modestas ou abastadas) sempre podem mobilizar recursos humanos, técnicos ou materiais para fazer valer os direitos.

O ESTADO NÃO É O GOVERNO

Não devemos esquecer que o Estado não é o Governo. O Governo é apenas uma parte do Estado. O Estado é a própria sociedade que se organiza jurídica, política e administrativamente. É fundamental a participação de todos nas decisões que se referem aos problemas das comunidades, das famílias e do mundo infanto-juvenill.

COMO AGIR NA PROTEÇÃO

 

ATENÇÃO CONTRA MAUS TRATOS

Toda suspeita ou confirmação de maus tratos devem ser obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da localidade. O Conselho Tutelar é um grupo de cinco pessoas, escolhidas pelas comunidades para, juntas, formarem um novo tipo de autoridade pública de cada município do país.

O CONSELHO TUTELAR

É uma autoridade pública municipal colegiada que assume cerca de oitenta por cento dos casos que antigamente eram atendidos por outra autoridade pública, antes estadual, o antigo juiz de menores. A função de atender ameaçados e violados em seus direitos, organiza-se melhor agora no âmbito municipal.

O SISTEMA UNIFICADO DE SAÚDE

Todos os municípios participam ou devem participar do Sistema Único de Saúde-SUS. Os municípios devem promover programas de assistência médica e odontológica, no sentido preventivo, incluindo-se as campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos. As Organizações Sociais de Educação Infantil, devem advogar por esses direitos e, jamais, operar serviços paralelos.

A GARANTIA DE LIBERDADE

Como cidadãos sob o ponto de vista social, crianças e adolescentes tem direito à liberdade, ao respeito e à dignidade. Cada um de nós assegura isso quando pensamos e sentimos crianças e adolescentes como sujeitos e quando os ajudamos a pensarem-se e sentirem-se como sujeitos. Sujeitos de direitos e de obrigações sociais.

O DIREITO À LIBERDADE

Nas democracias, com restrições legais, idosos e adultos têm liberdade de ir e vir, estar nos logradouros públicos, de expressar suas opiniões, de escolher sua crença, de se divertirem, de participar da vida social. Como crianças e adolescentes são hoje incluídos nessa tradição, as instituições públicas e sociais devem assegurar o exercício da liberdade. Mas é preciso atentar para os limites, as restrições legais.

FAMÍLIA E COMUNIDADE

No tempo da política para menores se tirava criança da família e da comunidade para interná-la numa instituição (instituição para menores). É fundamental a vida em família e na comunidade. Esse é um direito assegurado pela Constituição brasileira e pelo Estatuto. As instituições devem adaptar-se a essa nova exigência ética.

AMBIENTE FAMILIAR SADIO

O Estatuto dispõe que crianças e adolescentes tem direito a ser criados no seio de sua família, excepcionalmente em família substituta, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Toda vez que uma instituição perceber riscos nesse sentido, tem o dever de comunicar as autoridades.

A NÃO DISCRIMINAÇÃO

Se todos devem ser iguais perante a lei, pouco importa se uma criança seja pobre ou rica, branca ou negra, magra ou obesa, filho natural ou adotado. Todos têm os mesmos direitos e qualidades, sendo condenável qualquer tipo de discriminação. No ambiente das instituições devemos assegurar a condição de igualdade e, fora dela denunciar qualquer forma de discriminação, crueldade ou opressão cometida contra a criança.

O PODER E DEVER DA FAMÍLIA

O pátrio poder é o poder (também um dever) constitucional, que pai e mãe tem de criar, assistir e educar seus filhos. Em caso de necessidade a família deve ser incluída em programas oficiais e auxílio, para assegurar o direito de meninos e meninas de serem mantidos em sua família.

ORIENTAÇÃO E AUXILIO À FAMÍLIA

Cabe às organizações sociais e governamentais planejar, executar e controlar programas de orientação e apoio às famílias que têm dificuldade de criar, assistir e educar seus filhos. Mobilizemos recursos humanos, técnicos, materiais e financeiros para não nos tornarmos instituições violadoras de direitos.

COMO ASSEGURAR A IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMAS DE PROMOÇÃO DA FAMÍLIA

A Constituição (art. 204, II) e o Estatuto prevêem Conselhos deliberativos com membros, metade indicados pelo governo local e, metade indicados pelas ONG's. Neles, com participação (está na Constituição) se formula a política infanto-juvenil, se planejam e se controlam os programas, entre eles os de apoio às famílias.

OUTROS ASPECTOS IMPORTANTES

 

A PREVENÇÃO

No campo da cidadania, prevenir é evitar que direitos sejam ameaçados ou violados. As novas políticas de evitar ameaças e violações. A lei diz que o dever de prevenir é de todos. Todos devemos agir quando tomamos conhecimento de qualquer forma de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente. Se deixarmos de agir praticamos a omissão. Se agirmos com excesso praticamos o abuso.

ASPECTOS DA PREVENÇÃO

Um dos princípios da prevenção está em zelar para que na oferta de informações, atividades culturais, desportivas, recreativas, bem como de produtos e serviços, seja sempre evitado o dano a crianças e adolescentes em função da sua idade e do seu nível de desenvolvimento.

PORQUE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA É ÓTIMA

Muitos pensam que a legislação brasileira não é boa porque protege em excesso as crianças. Muitos outros acham que a legislação é muito boa porque é boazinha com as crianças. Quem pensa assim se equivoca. Ela é exemplar porque contém regras de efetividade para garantir direitos, tanto para os que são violados em seus direitos, quanto para os que violam os direitos dos demais.

COMO SE OBTÉM EFETIVIDADE

Uma legislação não pode ser apenas declaração de intenções. Deve produzir efetividade – tornar-se regra real no mundo dos fatos. Para isso nossas leis contém as normas programáticas para a garantia da cidadania da criança no Brasil.

ORGANIZAÇÕES NÃO-GOVERNAMENTAIS (ONG's)

Para prevenir ou combater ameaças ou violações de direitos, a sociedade deve se organizar. Isso se faz com a criação de Organizações Sociais que podem ser formais ou informais como Fundações, Clubes, Grêmios ou Associações (de mães, de pais e mestres, de vizinhos, de alunos, de trabalhadores, de empresários grandes ou pequenos, etc).

PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

As Organizações Sociais fazem a intermediação entre os cidadãos e os Poderes que governam a sociedade. Os poderes fazem leis (Legislativo), fazem cumprir as leis (Executivo) e julgam com as leis (Judiciário). Nos poderes operam os servidores públicos. Das organizações (governamentais ou não) se exige a ética do Direito.

AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

A política dos direitos da criança está ou deve estar distribuída por todas as políticas públicas (educação, saúde, esporte, cultura, lazer, segurança pública, produção, consumo, finanças etc.) pois todas, em diálogo com as Organizações Sociais, devem garantir os direitos sociais inerentes à cidadania, com prioridade à criança e ao adolescente.

COMO FORMULAR A POLÍTICA LOCAL

As Organizações Sociais representando a população participam da formulação da política municipal, no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, que também registra e autoriza os programas governamentais e não governamentais a funcionar. Prefeitura e as Organizações, no Conselho, controlam-se mutuamente.

FUNÇÃO DOS CONSELHOS DOS DIREITOS

Aos Conselhos dos Direitos cabe formular a política da Criança e do Adolescente; nesse Conselho a população participa da formulação da política infantil que vai harmonizar a garantia de direitos em todas as políticas públicas.

FORTALECER A INICIATIVA LOCAL

O princípio da descentralização política e administrativa fortalece a iniciativa municipal e comunitária, onde devem ser definidas as ações, programas e projetos a serem implantados para o atendimento dos direitos da criança.

MOBILIZAÇÃO SOCIAL

Harmonizando suas ações no Conselho dos Direitos, as políticas públicas (educação, saúde, assistência social, esporte, cultura, lazer, trabalho, segurança pública, etc.) devem mobilizar a opinião pública para as muitas formas de efetivar direitos e deveres das crianças.

MANUTENÇÃO DOS PROGRAMAS

As Organizações Governamentais e as Organizações Sociais, por lei, são responsáveis pela manutenção de seus programas. Mas devem, no Conselho Municipal, submeter-se ao controle das demais e tem o poder de também controlar a manutenção das outras, para que não haja privilégios, nem pulverização nem desvio de recursos.

COMUNIDADES

Criança devem ter suas necessidades supridas por serviços existentes na comunidade. A sociedade e o poder público devem se organizar para a oferta de serviços.

 

TEXTO - 3

PGM 3 - Sobre pais e professores

 

Relação família e escola na Educação Infantil:

algumas reflexões

 

Patrícia Corsino

 

O objetivo deste texto é trazer algumas situações para discutir as múltiplas relações que se estabelecem entre família e escola. Centrei as questões nos primeiros momentos de inserção da criança nos espaços de Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Porém, quando a família entrega filhos e a escola recebe alunos (Medina, 2002) muitos sentimentos participam simultaneamente dessas relações. A busca de uma boa relação entre família e escola deve fazer parte de qualquer trabalho educativo que tem como foco a criança. Além disso, a escola também exerce uma função educativa junto aos pais, discutindo, informando, aconselhando, encaminhando os mais diversos assuntos, para que família e escola, em colaboração mútua, possam promover uma educação integral da criança.

Num primeiro momento do texto, levanto algumas questões: O que significa ser criança hoje? Qual é a função da escola, especialmente na Educação Infantil? Quais são as expectativas da família em relação à escola? E o que ela espera da família? Como os espaços escolares asseguraram os direitos da criança? Como se colocam frente aos pais? Como os pais reivindicam os direitos de seus filhos?

Num segundo momento, trago algumas experiências de interação entre família e escola, numa tentativa de discutir alternativas para ampliar a troca entre ambas.

Educação como direito

A partir da Constituição Federal de 1988, a educação passou a ser um direito da criança assegurado legalmente. Até os seis anos de idade, a freqüência às creches e pré-escolas é uma opção dos pais, cabendo ao Estado o dever de oferecer vagas nestes espaços. No Ensino Fundamental, por volta dos sete anos de idade, a educação torna-se obrigatória. O Estado não pode deixar de atender à demanda por vagas de toda a população infantil que nele ingressa e nem os pais podem deixar os filhos sem freqüentar a escola, estando ambos sujeitos à penalidade legal.

Isto significa o reconhecimento da criança e do jovem como cidadãos que devem ter os seus direitos assegurados, não só pela família, como também pela sociedade e pelo Estado. Visando regulamentar esses direitos constitucionais é criado, através da Lei n.º 8.069, de 13 de junho de 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - que parte do pressuposto de que a criança e o adolescente são cidadãos, independente de sua condição social, concepção que o diferencia fundamentalmente das legislações anteriores voltadas exclusivamente para o atendimento à infância pobre, daqueles considerados em "estado de risco" (Código de Menores de 1927) ou em "situação irregular" (Código de Menores de 1979). O ECA configura-se, portanto, num grande instrumento para efetivação de uma democracia participativa no trato dos interesses das crianças e dos adolescentes.

A Constituição de 1988 ainda traz uma importante inovação: o direito da criança de 0 a 6 anos de idade à educação em creches e pré-escolas. O artigo constitucional nº 208, ressalta que "O dever do Estado com a educação será efetivado mediante garantia de: (...) IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade". A definição legal aponta para a superação do caráter assistencial, até aqui dominante, e passa a exigir uma atuação efetiva do sistema educacional nas suas diferentes instâncias: federal, estadual e municipal. Este direito vem explicitado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Para esta lei, a diferenciação entre creches e pré-escolas torna-se apenas a faixa etária da criança e a avaliação da criança nesses espaços não tem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao Ensino Fundamental ( Brasil, 1996, Seção II, artigos, 29, 30 e 31).

Posta a legislação, surge a primeira questão: se a Educação Infantil é um direito da criança, um dever do Estado e uma opção dos pais, para o direito ser assegurado é necessário haver oferta, para se fazer ou não a opção. A demanda por creches e pré-escolas tem sido cada vez maior, em todas as classes sociais, e a instância pública não tem conseguido atendê-la. Nos municípios cujos habitantes estão mais conscientes dos seus direitos já estão surgindo ações judiciais reivindicando ao Estado a Educação Infantil para as crianças, obrigando a rede municipal a acolhê-las tendo ou não vagas, fato que acontece com mais freqüência com as crianças consideradas em situação de risco pelos Conselhos Tutelares.

Se o mercado exige melhor equipamento e maior sofisticação, mais cara ainda é a contratação de professores qualificados (e não apenas de recreadores e auxiliares de ensino como foi e ainda é comum), com investimento na formação em serviço dos profissionais, a remuneração digna, incluindo as horas de planejamento e reuniões de grupo e a contratação e a manutenção de coordenadores pedagógicos e diretores competentes.

Com isso, é comum ouvirmos queixas dos profissionais de creches e pré-escolas da rede privada semelhantes às dos professores da rede pública. Dizem que ganham pouco em relação ao que a instituição exige deles, que participam de reuniões sem remuneração, que o investimento profissional cabe a cada um individualmente, e as inovações pedagógicas, fruto dos investimentos pessoais, são controladas, pouco discutidas e aceitas pelos coordenadores, muitos fazendo o que não acreditam para atender à direção. Falam também dos pais que interferem no trabalho, que os tratam como "empregadas", que depositam na criança uma série de expectativas, que pedem que sejam dados aos filhos exercícios pedagogicamente ultrapassados, que não sabem dar limites nem cuidar dos filhos, que são ausentes, que não olham a agenda para ver se tem recado, que não participam das reuniões ou que ficam reclamando de tudo e perguntando sobre tudo. É comum também ouvir queixas dos pais sobre os mais diversos assuntos da escola; das mordidas e brigas, alimentação inadequada, roupas trocadas ou perdidas, desatenção e falta de cuidado com os filhos, preço de materiais e passeios, à falta de preparo dos professores, reuniões pouco esclarecedoras e enfadonhas, solicitações não atendidas e por aí vai a lista. Mas há também elogios, experiências interessantes sendo desenvolvidas, respeito mútuo, troca porque, sobretudo, o que está em pauta nestas relações é a educação das crianças. A escola tem um compromisso com o serviço que presta e sabe que pais insatisfeitos buscam outra instituição para pôr os filhos. Nas camadas populares, embora algumas questões se assemelhem, as creches e pré-escolas ainda têm um forte cunho assistencialista, higienista, e compensatório. E sua oferta é abaixo da demanda. Vizinhos, parentes, irmãos maiores (e muitas vezes nem tanto) acabam tomando conta das crianças pequenas como podem.

Na década de 80, com o surgimento dos movimentos sociais e incentivadas pela UNICEF a partir de 1987, começam a aparecer creches comunitárias. E como, historicamente, cuidar da criança pequena se identifica à maternagem, à condição feminina e ao "jeito", o trabalho nas creches acabou sendo exercido por mulheres da própria comunidade que não tinham necessariamente uma formação na área educacional. Nestes espaços, muitas vezes improvisados, a relação com as famílias é horizontal, íntima e familiar com trânsito livre das famílias, mas a informalidade e a ausência de formação específica dos profissionais implica questões como: a falta de discriminação entre casa e escola, entre a função de mãe e de professora, entre as instâncias privada e pública. E assim se justifica a surpresa de uma professora que, ao visitar uma creche, viu profissionais sem sapato, usando roupas e vocabulário inadequados para se trabalhar com crianças, conversando sobre elas sem reservas, expondo-as a situações constrangedoras, e a indignação de uma pesquisadora que, ao chegar na creche, viu todas as crianças de uma turma sentadas ao mesmo tempo nos penicos, pois estava na hora de aprender a usá-los.

A compreensão da creche como equipamento educativo tem sido um grande desafio para as Secretarias Municipais de Educação que, ao passarem a ter a responsabilidade pedagógica destes espaços, estão gradativamente tendo que provocar algumas mudanças como: formação dos profissionais, substituição de alguns deles por professores, esclarecimento junto à comunidade sobre a função educativa da creche, organização de reuniões dos profissionais entre si e entre eles e os pais, remuneração condizente à função de professor.

É importante ressaltar que a creche comunitária é, muitas vezes, um ponto de referência da comunidade, funcionando como local de reunião da associação de moradores, de vacinação, de palestras, de reuniões com as assistentes sociais, de consultas médicas, entre outras coisas, o que a torna um espaço aberto aos pais e à comunidade. Uma experiência importante que deve ser socializada com as escolas que, pela sua origem, criaram um cordão de isolamento entre pais e comunidade hoje bastante questionado. Assim, os diretores de algumas creches do município do Rio de Janeiro, quando perguntados sobre o que eles ouviam dos pais, trouxeram as seguintes falas:

A creche é um lugar seguro, meu filho é bem tratado e tem uma boa alimentação. É uma bênção!

Preciso de ajuda, vocês precisam me ajudar!

A creche é o apoio principal da família; é o local que dá aos pais tranqüilidade em relação às refeições diárias, pois, como a maioria deles vive da cesta básica, cada filho na creche economiza o pão de cada dia, sobrando um pouco para o outro que não tem o que comer.

O banho e a comida da creche são os últimos do dia da criança.

Mesmo tendo a alimentação e o cuidado como função principal, para as famílias, a creche é vista como bênção, lugar onde podem deixar os filhos em segurança enquanto trabalham. Muitas destas creches, que deveriam atender às crianças até três anos, pela necessidade dos pais, chegam a ampliar a faixa etária e muitas crianças vão continuando nestes espaços, mesmo que de forma precária, até entrarem para o Ensino Fundamental.

Pois quanto menores são as crianças, mais necessário é o contato com eles. Começando pelo período de adaptação, que não é apenas para a criança que chega na escola, mas para as mães 4 que deixam os filhos. Da mesma forma que as crianças choram e até resistem, as mães também sentem esta separação.

A escola, por muito tempo, entendeu a presença dos pais como um certo desconforto. Seja de que lado viesse, a solicitação era entendida como queixa e até como invasão. Hoje, cada vez mais, a participação e a inclusão dos pais se faz necessária. Incentiva-se a organização de grupos de pais, eles fazem parte dos conselhos escolares, podendo decidir, junto à equipe da escola, de vários assuntos, desde o traçado de prioridades, à alocação de verbas, à promoção de eventos etc. Gradativamente, a presença dos pais e da comunidade está sendo considerada como uma ampliação das possibilidades tanto da escola quanto das famílias.

Os professores da rede pública que trabalham com crianças das classes populares têm reclamado muito do acúmulo de funções que estão tendo que exercer. As questões sociais atingem diretamente a escola: Crianças com fome, guardando a merenda para levar para casa, crianças doentes ou com piolho, que sofrem maus tratos, que revezam cadernos e materiais escolares com os irmãos, junto com crianças arrumadinhas, penteadas, falantes, bem nutridas. Algumas dessas crianças, como dizem as professoras, são "quase abandonadas". O quase é a ponta de esperança de professoras que se perguntam: se não fosse o nosso trabalho, o que seria destas crianças? E na outra ponta do "quase" a pergunta insistente, remitente: qual é a função da escola? O que as professoras podem fazer? Têm que dar remédio, merenda antes da hora para aplacar o choro da criança faminta? Comunicar o piolho e receber um pente fino no dia seguinte? Relutar se devem passar ou não o hipoglós na criança, porque temem ser acusadas de abuso sexual? Levar para casa a criança esquecida na escola? Ter muito tato para trabalhar a sexualidade, quando nem sempre estão preparadas? Ver a criança espancada e ter que se posicionar, mesmo correndo riscos? Ou ainda ver a criança brincando de cheirar uma "carreirinha" de cocaína e saber que na brincadeira está a denúncia de uma outra situação de risco, mas se sentir impotente? Ver a mãe adolescente que mal sabe cuidar de si tendo que assumir uma maternidade, sem ter a menor condição de fazê-lo?

Quando, num curso de formação no município do Rio de Janeiro, as professoras foram perguntadas sobre quem eram as crianças com as quais trabalhavam, uma das imagens trazidas foi a de uma praia deserta, com pegadas na areia : a praia é o lugar onde elas gostam de passear nos fins de semana, as pegadas na areia as crianças invisíveis para a sociedade, que podem ser apagadas sem deixar vestígios. Os professores conhecem as pegadas das crianças invisíveis e acreditam que o papel da escola é torná-las visíveis. Visão idealizada da escola ou a esperança da visibilidade social de seus alunos?

Estas crianças são quase abandonadas pela falta de uma política consistente para a infância. Vivem, segundo as professoras, em lares desestruturados. Como dar o que não se tem? Como cuidar das crianças se as próprias famílias, com as mais diversas configurações, estão carentes de tudo? A criança está invisível, como seus pais também estão. E como a escola pode ser um espaço de aproximação e parceria com estes pais?

Educação Infantil: quando tudo começa

É no momento de início de entrada na escola que a criança pequena chega geralmente acompanhada por um adulto. No percurso entre casa e escola e vice-versa, conversam sobre as atividades, os professores, os colegas, os sentimentos, as alegrias, as tristezas e as descobertas. Na porta da escola, responsáveis, professores e funcionários se encontram e trocam informações, dão e recebem recados, respondem perguntas, discutem sobre a criança, a turma, as atividades. Nos primeiros anos de escolaridade, o fluxo formal e informal de informações e solicitações entre família e escola costuma ser maior do que quando a criança já tem mais autonomia. Ao confiarem os filhos à professora, os pais contam que eles serão olhados, observados, estimulados, instigados, desafiados, avaliados, encaminhados e também cuidados, alimentados, acarinhados, respeitados e queridos. Expectativas que não são apenas das classes altas e médias, mas de qualquer pai ou mãe. Os professores, por sua vez, também esperam a colaboração dos pais e o envolvimento deles com as atividades dos filhos. Expectativas que implicam disponibilidade para construir uma relação de confiança mútua, de diálogo e de troca de informações.

Existem muitas formas de se promover a aproximação com as famílias e esta é uma das funções dos gestores, que passa não só pela boa vontade, mas principalmente pelo planejamento e implantação de uma concepção de educação construída no coletivo. A educação integral da criança só é possível quando se trabalha de forma não fragmentada. Sendo assim, trago, a seguir, algumas sugestões de ações, baseadas em experiências de várias instituições, que considero como ponto de partida para este trabalho:

Escola como espaço aberto

A presença dos pais na escola, dentro de regras preestabelecidas pelo grupo, pode ser muito interessante. Os pais podem participar de inúmeras atividades como; lanchar com os filhos na escola, participar de passeios e estudos do meio acompanhando as crianças, ajudar na organização de festas e eventos, falar sobre seu trabalho e/ou profissão, ensinar uma atividade que realizam como, por exemplo, um trabalho com argila, trançados com fibras, contar histórias, ensinar danças e músicas.

Escola como referência educativa

Os pais muitas vezes não sabem o que fazer diante das mais diversas situações do cotidiano, nem todos estão informados sobre as características do desenvolvimento infantil, sobre questões pedagógicas mais específicas e/ou atualizadas. Dúvidas e esclarecimentos cabem à escola que, por ter uma equipe especializada, deveria ter condições de promover debates, ensinar, orientar, trocar informações sobre os mais diversos assuntos de interesse da comunidade escolar.

Escola como lugar de construção de conhecimento

As crianças aprendem muitas coisas na escola, projetos interessantes são desenvolvidos e a socialização do que foi realizado pelos grupos deve fazer parte do próprio ato educativo. Como por exemplo: exposições de trabalho, apresentação de pesquisas e de dramatizações, feiras de arte, de literatura, de ciências e dos mais diversos saberes. As crianças têm também muita coisa para ensinar aos adultos, é preciso dar a voz a elas.

Escola como lugar de troca e de afetividade

Como os pais sabem sobre o que acontece na escola? Geralmente é através do que os filhos levam para casa como conversas, deveres de casa, desenhos. Mas por que não manter uma correspondência que possa aproximar mais os pais do que está sendo desenvolvido na sala de aula?

Outra experiência interessante foi o projeto de empréstimo de livros de literatura na Educação Infantil. Toda sexta-feira, as crianças escolhiam livros de histórias para serem lidos pelos pais em casa e devolvidos na segunda-feira. A atividade não só acabou envolvendo a família toda com a leitura de histórias, como proporcionou momentos de proximidade entre pais e filhos.

Desde a creche, competência, sensibilidade e compromisso precisam caminhar juntos para que a construção de um trabalho pedagógico de qualidade, que envolva também os pais, possa assegurar os direitos da criança. Não é por acaso que a freqüência a creches e pré-escola é considerada, pela UNICEF, um dos fatores para medir ou avaliar a situação da infância (IDI - Índice de Desenvolvimento Infantil). Para este órgão internacional, a educação infantil é reconhecida como um espaço de promoção do desenvolvimento infantil e, conseqüentemente, de garantia dos direitos da criança. Pois é esperado que este espaço possa assegurar a proteção (aos maus-tratos, à violência dos adultos, à discriminação), a provisão (alimentação, assistência, cuidados com a saúde e a própria educação) e a participação da criança (socialização, inserção na cultura e exercício da cidadania) como sujeito de direitos.

A CLT- Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, determinava que as empresas com pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos deveriam oferecer espaço para a guarda das crianças lactantes, ou seja, creches. Nesta época, a creche era um direito da mãe trabalhadora. Hoje o foco é a própria criança.

Creches para as crianças de 0 a 3 anos de idade e pré-escolas para as de 4 a 6 anos de idade.

Como professora do Curso de Especialização em Educação Infantil da PUC-Rio tenho tido a oportunidade de ter como alunos professores e coordenadoras tanto da rede pública, como da rede privada do Estado do Rio de Janeiro. Estas falas aparecem constantemente nas aulas.

Refiro-me agora às mães, embora também os pais o façam, porque a adaptação dos filhos à escola, pela própria questão da maternidade, atinge mais diretamente às mães.

O Índice de Desenvolvimento Infantil (IDI) é calculado levando em conta três fatores: a escolaridade dos pais (percentual de crianças que têm pais com escolaridade precária -menos de quatro anos de estudo), os serviços de saúde (percentual de crianças com menos de um ano vacinadas contra sarampo e DTP, percentual de gestantes com mais de seis consultas) e a escolaridade das crianças de zero a seis anos (percentual de crianças matriculadas em creches e pré-escolas).

 

TEXTO - 4

PROFESSOR CRIADOR DE AMBIENTE DE ALTA QUALIDADE

 

ADRIANA FRIEDMANN

 

Nossa civilização está atravessando uma fase de transição que afeta a todos os seres humanos, tanto no âmbito econômico, social e cultural quanto no educacional. Vamos refletir a respeito da situação nesta área, especificamente na Educação Infantil, tema de interesse deste encontro.

Observamos que no aspecto teórico houve uma grande influência na Educação Infantil das idéias sócio-construtivistas, representadas por Piaget, Vigotsky, Wallon e seus respectivos seguidores, sendo que as idéias de Froebel, Decroly, Montessori, Dewey e Freinet continuam atuais. Novas reflexões e influências chegam até nós vindas das experiências da Itália (Reggio Emília) e das reflexões de educadores como Perrenoud e Zabalza.

No âmbito da legislação, os Parâmetros Curriculares Nacionais têm tido grande repercussão nas idéias e nas práticas dos nossos professores pelo país afora, criando espaços de reflexão sobre as próprias práticas. Mas as mudanças irão levar ainda alguns anos para se arraigarem e serem assumidas pelos educadores e pelas instituições como um todo.

Atualmente, por exigência da legislação, todos os nossos professores deveriam obter sua titulação através dos cursos de ensino superior. Sabemos que a formação do nosso professor, tem estado, tradicionalmente, vinculada aos cursos de magistério, de pedagogia e às suas práticas. Muitos professores não têm tido a oportunidade de ter um título oficial e, além das suas práticas, em alguns casos eles passaram por cursos de formação não formais ou pelo autodidatismo.

Todos os fatores acima relacionados, sobretudo as reflexões dos teóricos e as que provêm de práticas consideradas “bem sucedidas”, são extremamente importantes para o crescimento do nosso corpo docente.

Temos como resultado muitos avanços e informações para enriquecer a prática, o repertório e a consciência do professor.

Porém, em face de tanta informação, o olhar do professor tem se desviado, em muitos casos, das suas próprias crianças, do seu próprio potencial, auto-estima e auto-desenvolvimento.

Consideramos imprescindível que, enquanto Educadores e neste momento da nossa história, nos detenhamos e reflitamos a respeito da importância de empreender o caminho do auto-desenvolvimento das nossas potencialidades e da nossa auto-expressão. Nossas diferenças são o nosso maior tesouro.

Ao refletirmos sobre a importância dos aspectos qualitativos, principalmente quando se trata da defesa dos direitos e do atendimento à criança de 0 a 6 anos, devemos reconhecer que o grande desafio dos profissionais da Educação Infantil é o Desafio da Qualidade, tema de reflexão e debate neste encontro.

Dando seqüência a esta discussão, vamos refletir sobre como caminhar para essa qualidade colocando como o principal desafio do professor hoje, o de se transformar em um Educador.

Vamos brincar um pouco com as palavras a partir da nossa pesquisa etimológica:

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PROFESSOR é aquele que professa uma crença, que dá aulas sobre algum assunto, que transmite algum ensinamento a outra pessoa. A etimologia da palavra – o que cultiva - CRIADOR é o que cria, produz, gera, é fecundante, criador de energias, de riquezas, da imaginação. É o iniciador, o inventor, construtor, poeta, autor. Criador de casos ou dificuldades. A etimologia da palavra – o que procria, produz.

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AMBIENTE – que rodeia, envolve por todos os lados e constitui o meio em que se vive; recinto, espaço. A etimologia da palavra – Andar ao redor, cercar, rodear, ver.

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QUALIDADE – propriedade que determina a essência ou a natureza de um ser ou coisa. Grau negativo ou positivo de excelência; valor, importância. A etimologia da palavra – qualidade, natureza.

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EDUCADOR – que educa. A etimologia da palavra – o que cria, nutre, cultiva. Delicadeza.

Neste jogo e etimologia das palavras está implícita a transformação do professor (aquele que cultiva) em educador (aquele que cria, constrói, gera, um espaço de alta qualidade).

Estamos passando por uma mudança de paradigmas, por uma fase em que os saberes não são mais exclusividade de quem ensina. A informação está hoje acessível fácil e rapidamente para todos através dos meios eletrônicos e se processa de forma avassaladora fora dos muros da escola. Qual é então a função do educador? Podemos levantar algumas considerações. Um dos objetivos do educador é o de oferecer instrumentos ao seu aluno para que ele possa encontrar o caminho para a expressão do seu verdadeiro SER e para procurar, dentro de si e no mundo externo, as informações necessárias para o seu crescimento. O educador/facilitador é um alavancador de novos rumos, motivador para a mudança, auto-conhecimento, autotransformação e reformulação de valores. O papel do educador é o de facilitar e orientar o processo de desenvolvimento do(s) outro(s), colocar questionamentos que “provoquem” e “desequilibrem” seu(s) interlocutor(es), em prol da TRANSformação.

Este processo de transformação não é um acontecimento instantâneo e para cada indivíduo ocorre a partir de eventos ou fatos muito particulares. A partir de um desconforto, de um sentimento de que as coisas não estão certas do jeito que estão: aquela roupa não mais cai bem neste meu corpo que está começando a mudar.

Tomemos um exemplo da vida cotidiana: porque em um determinado momento das nossas vidas, tomamos a decisão de mudar de casa? Ou de reformar a nossa antiga casa? O lugar onde moramos não mais atende às nossas necessidades: ficou pequeno demais; ficou grande demais; a família aumentou ou diminuiu a família; queremos mudar de vizinhança ou de cidade; iniciamos uma nova fase de vida (casamos, temos mais filhos, nos separamos, mudamos de um apartamento para uma casa ou vice-versa). Pequenos sinais nos dão o indício dessa necessidade de mudança. E quando tomamos a decisão, como saber qual será a nossa nova “casa”? Uma necessidade premente, mas muito difícil, é a de conseguirmos nos desapegar do nosso antigo espaço, dos nossos antigos objetos e até, muitas vezes, nos separarmos das pessoas com quem partilhávamos nossas vidas.

Vamos agora fazer um paralelo com o processo que se estabelece a partir do momento em que sentimos que aquela velha fórmula que “dava conta” do nosso trabalho como educadores, não está mais sendo bem sucedida para atingirmos nossos objetivos.

Alguma coisa mudou dentro de nós e no nosso entorno que nos faz sentir um incômodo, um certo desconforto e nos impulsiona a repensarmos, questionarmos os nossos valores, as nossas atitudes, o nosso comportamento, a nossa essência.

Se refletirmos a respeito de:

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Que estilo quero adotar, que tamanho minha casa há de ter para adequar-se às minhas necessidades, interesses e gostos (filosofia).

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O que é essencial para mim (meus valores) e o que é superficial (justificativa)

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O que quero nesta nova fase para minha vida (meus objetivos)

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Como vou dispor do mobiliário (metodologia)

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Que materiais vou utilizar E uma vez dentro da nova casa, avaliar o que está confortável, o que está prático, o que não condiz com meu cotidiano, ir fazendo os pequenos ajustes para ir adequando o meu espaço ao meu jeito. Preciso, na medida do possível, adequar a minha filosofia de trabalho às necessidades de todos aqueles que moram comigo ou vêm me visitar.

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Assim como em um processo de mudança de casa, no âmbito educacional precisamos, para mudar, nos desvencilhar de idéias preconcebidas, formas viciadas de relacionamento, para reconstruir, tijolo por tijolo, nossa nova casa, sua nova forma e, aos poucos, ir experimentando quais as melhores cores para cada ambiente, qual é o clima que darei a cada encontro, a cada aula. Quais os móveis e tamanho dos mesmos que se adequam às minhas novas necessidades: quais as bases de pensamento sobre as quais irei “sentar”, me alimentar e dormir; ou seja, os novos paradigmas que irão servir de norte para o meu novo comportamento, minha nova postura; que estilo irei adotar.

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Em qualquer nível educacional devemos nos perguntar qual é esta nova casa/escola/instituição/espaço/ambiente que precisamos construir (ou a antiga que precisa de reformas).

Vamos refletir a respeito dos problemas da nossa antiga casa (o nosso jeito “antigo” de educar), a postura que o educador vem apresentando até os dias de hoje:

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autoritária, centrada em um único indivíduo, considerado “detentor dos saberes”, dono da verdade.

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Unilateral, no sentido de não ter flexibilidade, utilizando e repetindo velhas fórmulas, receitas e clichês sem atentar para as necessidades daqueles a quem eles se dirigem.

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o seu maior objetivo é ensinar, informar, transmitir conhecimentos.

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considera o outro como uma tábua rasa que deveria incorporar, adotar os seus saberes incontestáveis.

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abomina o conflito

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condena e rejeita o erro

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avalia, taxa e classifica o bom e o ruim, o melhor e o pior.

Vamos fazer agora, uma proposta e reflexão a respeito de como deveria ser a postura do novo educador, facilitador do processo do outro:

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ele ouve, observa e reconsidera o processo de desenvolvimento do seu aluno/educando/aprendiz.

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reflete a respeito da sua própria prática, recriando-a em função das necessidades do(s) seu(s) interlocutor(es): avalia

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o seu processo e postura.

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reconstrói junto com o(s) outro(s) os saberes

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é flexível e aberto para as mudanças

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trabalha a partir dos conflitos, procurando caminhos para resolvê-los.

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utiliza o erro como alavanca e desafio para novos desafios e aprendizagens

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o seu maior objetivo é formar, propiciar a abertura de canais no outro e oferecer ferramentas para que o outro possa ser ele mesmo, se descobrir, se expressar.

O primeiro sentimento do educador, hoje, que sente que aquela velha casa, aquele velho e conhecido jeito de ensinar, não mais atende aos seus alunos, é uma ansiedade, uma percepção de que “está perdendo o controle”; uma sensação de que aquele espaço certinho no qual todos enfileirados prestavam atenção à matéria, está “sufocando seus alunos”. O ar está rarefeito. Não há movimento e os ânimos ficam à flor da pele. As pessoas precisam respirar, abrir as janelas ou até mudar de espaço para se expandirem. E quanto mais autoritário e repressivo para manter aquela antiga posição, mais revolta, tensão e doenças por parte dos educandos e do próprio educador. Ele não está chegando onde queria. Não pelos caminhos traçados. Muita ansiedade, angústia, irritação, falam através dos sinais do nosso corpo. Falta de harmonia, um atropela o outro; falta o espaço que permita (dentro da casa, dentro da sala de aula) que cada um dos seus moradores (alunos) possa entrar em contato consigo mesmo, com a sua intimidade, com a sua individualidade, com os seus conflitos e limitações e com as suas habilidades. Falta o espaço do poder vir a ser e a expressar-se, cada um do seu jeito, para poder voltar à sala para um reencontro com o(s) outro(s).

Como criar este novo espaço?

Como adequar o meu mobiliário, reformá-lo ou comprar um novo?

Pode-se, por exemplo, fazer uma planta do espaço como é hoje, na realidade. E a seguir, pesquisar outras possibilidades. E a partir daí fazer uma nova proposta com os ajustes e adaptações necessários.

. Quais são os materiais adequados ao momento de cada um que participa deste processo?

É possível refletir conjuntamente se os brinquedos e materiais utilizados são adequados, se prendem o interesse, se são desafiadores. E pesquisar novas possibilidades. E ainda propor, em continuação, novos materiais, adequados, seguros, interessantes. Quais são as atividades, as dinâmicas adequadas que poderiam ser introduzidas no cotidiano para facilitar o processo de desenvolvimento, crescimento e expressão de cada um?

Pensar em quais são as atividades hoje desenvolvidas, de onde surgiram, se respondem às necessidades daqueles alunos em particular; por que utilizá-las, com que finalidade: para cumprir um currículo? para preencher um espaço de tempo? para propiciar o desenvolvimento ou a aprendizagem? Em seguida, realizar uma pesquisa das possibilidades existentes. E a partir do conhecimento e observação dos alunos: adequar as propostas, as brincadeiras, as atividades de expressão plástica ou artística com diferentes materiais, jogos, as atividades de expressão corporal, as atividades de pesquisa.

Como descobrir quais são os valores essenciais do grupo, o que os move, o que os motiva?

É necessário descobrir as características de cada grupo:

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faixa etária

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necessidades

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interesses, preferências.

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conflitos, dificuldades, limitações.

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potenciais, habilidades, desafios.

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valores, crenças.

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emoções, medos.

. Qual deveria ser, então, a postura do facilitador?

Há necessidade de refletir a respeito da postura atual: objetivos, métodos utilizados, resultados obtidos. E a seguir, pesquisar possibilidades. E então sim, reequilibrar, reacomodar; provar a “nova roupa”, andar com ela, sentir a textura do tecido. Escolher a cor adequada, se preciso fazer pequenos “ajustes”, até ficar totalmente à vontade. Se ficar muito apertada, será necessário “prender” a respiração. Se ficar muito solta, vai deformar “o corpo”, a imagem de quem a vestir. Precisa ser feita “sob medida”. E finalmente, comprá-la, se ela trouxer conforto.

. Quais os parâmetros a partir dos quais pode-se avaliar o desenvolvimento do(s) processo(s)?

Faz-se necessária uma reflexão sobre o que se considera como parâmetro, para avaliar o processo do outro e o próprio. Avalia-se o processo ou o produto? Adota-se um referencial externo ou interno? Realizando uma pesquisa interior desses parâmetros, será possível uma mudança e o estabelecimento de novos critérios que sirvam de base para avaliar o processo individual de desenvolvimento, e não somente os produtos finais.

Ao avaliar um grupo, o trabalho pessoal e/ou atitudes do próprio educador, é preciso levar em consideração que:

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o grupo é o espelho do educador e vice-versa

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o espaço, ambiente, clima, energia, objetos, cores revelam a proposta.

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os sinais não verbais, aos quais raramente dá-se atenção, são os parâmetros mais reveladores: sinais corporais, posturas, tensões, dores, sentimentos de euforia, tristeza, rejeição, empatia, antipatia, etc.

. Quais episódios e expressões espelham as características das crianças?

Para descobri-los é fundamental:

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Propiciar e estimular a criança a escolher de forma autônoma dentre diversas atividades disponíveis a cada dia ou a cada semana, criando um ambiente adequado aos objetivos do educador.

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Observar e registrar as manifestações do JOGO, da expressão ARTÍSTICA, do MOVIMENTO, da expressão MUSICAL, as reações e interações, os apegos, as escolhas de brinquedos, objetos, materiais, atividades e parceiros Com esse leque de informações o educador tem a capacidade e a chance de conhecer e compreender mais profundamente seu grupo de crianças e adequar atividades e propostas com as necessidades e o momento processual específico de cada determinado grupo de crianças, que nunca é o mesmo nem se constitui da mesma forma.

É essencial considerar que a mudança de paradigma, a mudança de casa, a fluência em uma nova língua, não acontecem de forma instantânea ou mecânica.

É necessário perceber e conscientizar-se do incômodo inicial que gerou a decisão de mudar. Conscientizar-se de que a transformação é um processo que acontece de dentro para fora, dolorido e prazeroso, pois implica em nos desapegarmos do antigo para dar espaço ao novo. É um processo que exige reflexão e reformulação constante.

“Pintar a parede de uma cor hoje, não significa que não haja possibilidade de mudar esta cor amanhã”. Respirar novos ares significa inspirar profundamente para deixar novas possibilidades entrarem, e expirar para deixar o velho sair, ampliando o espaço para o novo entrar. E entrar em um novo espaço, em um novo jeito, em uma nova forma, significa colocar o nosso toque pessoal em cada canto.

Fala mos o tempo todo na primeira pessoa do plural. Para começar. Pois a seguir, é necessário considerar que, muito provavelmente, não mudamos sozinhos: outros virão também. E cada uma tem um ritmo diferente. Vamos, então, convidando o(s) outro(s) para dançar junto, acertando o passo, abrindo mão de alguns elementos meus, para dar espaço também aos elementos do(s) outro(s); mas sem deixar que a essência das minhas necessidades se perca; e que o outro coloque e expresse as suas, para a convivência, a harmonia e a construção conjunta.

É assim que EDUCAR transforma-se em uma ARTE, um DESAFIO e o PROFESSOR em um EDUCADOR, em um artista cujas possibilidades são CRIAR UM AMBIENTE DE ALTA QUALIDADE.

 

TEXTO - 5

A IMPORTÂNCIA DA PARCERIA ENTRE A ESCOLA E A FAMÍLIA NO ENSINO FUNDAMENTAL

Rosária Lanziotti Moraes

Vera Maria Moreira Kude

Palavras-Chaves: Família, Escola, Desempenho Escolar.

As vivências na docência e a reflexão sobre a prática pedagógica, juntamente com momentos de maior intercâmbio com a família, vinculados à Constituinte Escolar, estão na base do objetivo deste estudo de investigar as relações entre o envolvimento da família com a vida escolar e a aprendizagem no ensino fundamental. A família reflete os problemas da sociedade bem como a presença ou ausência de valores nos diversos contextos humanos (escola, grupo de pares, associações) e desse modo é importante pesquisar sua relação com o desempenho escolar. Esses foram os pressupostos, oriundos da experiência prática e da teoria, que nortearam os objetivos da pesquisa: Investigar qual é o papel da família no desempenho escolar das crianças; Observar e descrever o comportamento de crianças com bom e fraco desempenho escolar. Tendo como objetivos específicos, investigar: a influência dos valores familiares no desempenho escolar; os sentimentos dos pais e mães em relação à escola; o relacionamento que as famílias das crianças com bom e fraco desempenho mantêm com a escola; a interação social em sala de aula dos alunos e alunas com bom e fraco desempenho, as atitudes em relação ao trabalho em sala de aula dos alunos e alunas com bom e fraco desempenho. A pesquisa foi realizada por meio de estudo de caso de método qualitativo. A pesquisa qualitativa é ideal para tratar o tema porque permite a compreensão do fenômeno em seus aspectos subjetivos e particulares e, desse modo, contempla a complexidade desta relação da criança com seus cuidadores e demais participantes da sua educação. Os dados foram coletados em uma turma de 6ª série mediante observações participantes em sala de aula e entrevistas. Foram entrevistadas dez professoras, doze estudantes e oito mães.  Através das observações e entrevistas foi possível perceber dois grupos distintos na sala de aula: o grupo de alunos e alunas que apresentam bom desempenho e o grupo dos que apresentam fraco desempenho escolar. Os dados foram submetidos a uma análise de conteúdo sob três eixos temáticos: (a) professoras; (b) alunas e alunos; (c) mães. Alguns pontos interessantes da pesquisa são a forma com que as professoras conceituam as alunas e alunos com bom e fraco desempenho, que demonstram como as prioridades na avaliação estão se modificando, pois em todos os depoimentos, as professoras mostram toda sua compreensão e afetividade em relação aos estudantes. O perfil de um aluno com bom desempenho escolar, ou aluna, pois em geral a maioria das professoras refere-se às meninas como representantes deste grupo, é aquele que tem: “mais facilidade de aprendizagem.” ...é o aluno que consegue seguir em frente no conteúdo, aquele que tem um bom entendimento e tem uma base para poder avançar”. “Elas são interessadas, são motivadas e quando não entendem perguntam. Procuram fazer os exercícios, procuram ajudar os colegas.” “Elas mantêm um bom nível de atenção em sala de aula durante as aulas. Eu acredito que essas crianças mantêm essa qualidade em sala de aula devido à motivação que vem de casa. [Os motivos do bom desempenho estão] na educação delas de casa e na preocupação dos pais em relação ao desempenho delas, do crescimento pessoal delas. Então eu vejo assim muito forte nelas aspectos positivos que vêm da família.” Os alunos indicados e observados como tendo fraco desempenho escolar são todos do sexo masculino, geralmente são agitados, conversam muito, tentam chamar a atenção com atitudes negativas, não conseguem avançar, já repetiram o ano no mínimo duas vezes, estão com idade acima da média da turma, apresentam problemas com os pais. Além disso, dificilmente alguém da família comparece à escola para saber de seu desempenho ou comportamento. “E o aluno fraco, esse aluno que seria o mau aluno é um aluno que ele tem dificuldade na base dele, no aprendizado e não consegue avançar. Seria isso.” “São alunos que destoam assim da turma, que eles agitam, eles não param quietos, estão sempre conversando, chamando a atenção, quando tu consegue manter a turma assim sobre um certo patamar, eles vêm e puxam para algum outro assunto, são alunos que são pivôs.” “São [de] famílias que têm consciência da importância do estudo, porém não têm uma base também de experiências de sociedade, assim, digamos da importância real da escola. Então elas incentivam bastante os filhos, mas ao mesmo tempo não conseguem contribuir com conhecimentos básicos, que possam motivar mais os alunos e despertar mais interesse neles, então fica só por parte dos professores essa ... missão.” A partir dessa vivência de pesquisa, pode-se perceber que no ambiente escolar existem dois tipos de famílias: aquelas que demonstram interesse pela vida escolar de seus filhos e filhas, integrando-se ao processo educacional e participando ativamente das atividades da escola, sempre que possível, e aquelas que consideram que sua participação é dispensável ou inadequada e preferem simplesmente omitir-se do processo escolar. “A participação é constante. Eu estou sempre verificando cadernos, procuro falar com os professores, saber como eles estão. A minha preocupação é muito grande. Como é que está a escola? Está sendo bem administrada? Todos estes aspectos” (depoimento de uma mãe de aluna). Essas comunicações entre família e escola deveriam ser mais estudadas porque essas duas instituições precisam uma da outra. A interação entre família e escola não deveria ser reduzida apenas a reuniões formais e contatos rápidos, mas ocorrer regularmente em momentos de maior intercâmbio nos quais a família pudesse efetivamente participar do cotidiano da escola. É importante salientar que o fracasso ou o sucesso escolar de cada um é influenciado por diversos fatores, sendo o envolvimento da família com a escola apenas um deles, pois também contam a cultura familiar, as oportunidades vividas por estes alunos e alunas. As expectativas de pais e mães em relação ao futuro são fatores que podem cooperar ou não para que  estas crianças e adolescentes estejam motivadas para um bom desempenho escolar. É provável que uma investigação da história de vida escolar dos pais e mães destes alunos e alunas aponte os fatores relacionados com o tipo de relação que esta família desenvolve com a escola e a origem dessas expectativas. Ao que tudo indica, a única forma de superação da situação inquietante na qual se encontra a educação pública brasileira atualmente seria aproximar a escola não só das necessidades das famílias, quanto de sua cultura e dos processos construtivos presentes no desenvolvimento da criança. Nas escolas estaduais atualmente, o aluno e a aluna se vêem obrigados a conviver com situações de violência, desespero e desesperança, ante as quais,  a maioria dos professores simplesmente desistiu, assistindo a tudo como meros espectadores, sem perspectivas de um futuro humanizado e harmonioso. Desse modo, as relações entre as pessoas passaram para segundo plano, pois atualmente o que menos importa é o outro. Conseqüentemente, é imprescindível que pais e mães estejam em sintonia com a vivência escolar e social de seus filhos e filhas, pois essa integração tende a enriquecer e facilitar o desempenho escolar da criança. Portanto, é necessário que se habituem a participar da vida escolar dos filhos e filhas. Para isso, uma alternativa viável seria a divisão de responsabilidades entre os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Esta é a união que é proposta no presente estudo. Esta parceria consiste em família e escola caminharem juntas, sendo que cada uma das partes deve ser preservada em suas características próprias. Em suma, os resultados da presente pesquisa mostram que alunos e alunas que não dispõem do envolvimento da família na sua vida escolar estão constantemente sem motivação e na maioria das vezes possuem um baixo rendimento escolar ou um comportamento fora dos padrões da turma, indicando que provavelmente exista uma associação direta entre o envolvimento da família e seu arranjo enquanto organização social e o desempenho da criança ou adolescente na escola. Esses resultados sugerem que, no âmbito escolar, é preciso buscar o envolvimento da família na aprendizagem dos seus filhos e filhas, valorizar e orientar os pais e mães no sentido de incentivar as boas relações com a escola e todos que fazem parte deste ambiente. Essa certeza se evidencia no cotidiano escolar onde são visíveis, por exemplo, os resultados positivos do trabalho com famílias de alunos e alunas com dificuldades de aprendizagem e/ou comportamento inadequado. Após a família ter mantido entrevista e acompanhamento com o serviço do SOE (Serviço de Orientação Educacional) - ou, na ausência dele, da própria direção da escola – é possível observar uma melhora notável dessas dificuldades. Desse modo, os resultados deste estudo indicam a necessidade de fomentar a interação escola e família para o benefício do desempenho escolar das suas crianças. É interessante observar que esta pesquisa realmente abrange todo o contexto escolar, não se resumindo somente à turma pesquisada, o que é corroborado pelo fato de que o presente trabalho está sendo divulgado pela 28ª Coordenadoria  Regional  de Educação (CRE) o que tornou possível a implantação do Projeto Criança nesta escola, que consiste em um trabalho voluntário de mães dentro do ambiente escolar, aproximando efetivamente a família e a escola nesta Comunidade.

 

TEXTO - 6

“A escola não é o princípio da transformação das coisas. Ela faz parte de uma rede complexa de instituições e de práticas culturais. Não vale mais, nem menos, do que a sociedade em que está inserida. A condição da sua mudança não reside num apelo à grandiosidade da sua missão, mas, antes, na criação de condições que permitam um trabalho diário, profissionalmente qualificado e apoiado do ponto de vista social. A metáfora do continente (os grandes sistemas de ensino) não convém à escola do século XXI. É na imagem do arquipélago (a ligação entre pequenas ilhas) que melhor identificamos o esforço que importa realizar” (António Nóvoa)

Respeitadas as especificidades da família e da escola, essas instituições podem, sim, estabelecer parcerias produtivas a favor do êxito escolar. Foi isso o que expressou um grupo de professores que participou de um minicurso na semana passada. O evento foi promovido pela Secretaria de Educação e Cultura tocantinense e abordou a relação família e escola, seus limites e possibilidades. A tentativa foi a de compreender quais são os limites de cada qual nos processos de escolarização e quais podem ser as possibilidades de trabalhos institucionalmente compartilhados. Em tese, a família e a escola têm papéis sociais bastante específicos; porém, não antagônicos. Podem mesmo, em muitas circunstâncias, ser complementares: se à família cabe cuidar, a escola responsabiliza-se pelo ensinar.

O importante é ter claro que o professor é um profissional do conhecimento sistematizado, e não a extensão do grupo familiar, razão pela qual não é o “tio”, assim como o grupo familiar educa para o afeto e para a formação pessoal, e não aquele sujeito a quem a escola responsabiliza pelos fracassos da escolarização. É para essa perspectiva que Ana Lúcia (cursista, como os demais citados neste artigo) nos chama atenção: “A família e a escola, caminhando de mãos dadas, geram sucesso escolar”. Essa idéia é compartilhada por Duvanez Alves de Oliveira, para quem “A participação da família no processo de ensino-aprendizagem do filho é a força que a educação tem para dar certo”. E, conforme nos diz Eunice Rodrigues, “Quando a escola e a família assumirem, de verdade, o seu papel, com certeza, os esforços da educação escolar brasileira revelará melhores resultados”. Sim, complemento, desde que haja justiça social e compartilhamento eqüinânime de bens sociais, culturais, epistêmicos e naturais.

Se, como afirma Francismário Queiroz, “A família é fonte fundamental para o desenvolvimento do ser humano e da sociedade”, também a escola é decisiva à formação humana de futuros cidadãos e profissionais, razão pela qual ambas devem oferecer o que têm de próprio em benefício desse desenvolvimento e dessa formação, até porque, como afirma Geny Martins de Sousa, “O espírito de reciprocidade é muito importante para todos os seres humanos; portanto, minha vida só tem sentido se a compartilharmos com outras vidas”. Por que isso não poderia valer para os membros da família e para os da escola? Sim, reciprocidade na especificidade, sabendo que estruturalmente a sociedade também tem de desenvolver um projeto de nação transformador!

Esse parece ser o lema de todo trabalho possível entre pais e mestres, família e instituição de ensino, por meio de parcerias produtivas para todos e em meio a propostas mesmas de constituição de modelos sociais humanizantes e de estilos existenciais humanizadores. Nesse contexto, “Quando a escola e a família se descobrirem como parceiras de construção e transformação”, assegura Ilzany da Rocha Oliveira “o ensino terá uma nova cara”. Tomara que sim!

Nova cara que signifique leveza e enlevo, em atividades que, em vez de ser pesadas e maçantes, provocadoras de pequenas guerras entre pais e mestres, podem ser leves e suaves, como afirma Leonice Ferreira, do Programa Pioneiros Mirins, segundo quem, “Quando existe algo que nos interessa, o tempo passa depressa!”. E passa mesmo! Complicado é quando não há real entendimento do que cabe a cada um e muitos professores pensam que encher a escola de pais vai resolver os problemas do ensino. Ou quando as famílias pensam que a educação escolar do filho é uma atividade com a qual não devem se importar. Não, se a família e a escola “formam um elo fundamental para o ser humano”, como afirma Maria Cardoso Rodrigues, o importante é usar a leveza da espontaneidade para reforçar esse elo em atividades comuns, ainda que diferentes em sua concepção, natureza e realização; ainda que demandem, em algumas circunstâncias, sangue e suor para uns e outros. Isso realmente não é fácil; demanda dedicação e vontade político-ideológica de ver a realidade tal qual ela é, escavar suas raízes, julgar perseguindo o melhor a fazer e agir para marcar e fazer história. Nessa linha, é bom lembrar que “É só na somatória de nossos esforços que teremos soluções e resultados interessantes para nossas ações”, como alerta Maria Ferreira.

Esforços parece a palavra-chave para compreendermos que tanto a família quanto a escola encontram-se às voltas com um modelo societário e com um estilo existencial com os quais têm de lidar enquanto educam ou escolarizam. Como escola e família são instituições sociais que se prestam a contribuir para o desenvolvimento histórico do entorno natural e humano de nossas comunidades, torna-se crucial compreender que modo de produção material da vida interfere no trabalho de uma e de outra; que tipo de regime político mantemos para lidarmos com as questões relativas ao poder; e que modalidades de expressões culturais, ideológicas e epistêmicas alimentamos como válidas e dignas da ocupação da família e da escola. Isso é importante porque todos esses fatores transversalizam a família e a escola, e não me parece sensato pedir a ambas que façam aquilo que cabe à economia, à política, à cultura e à epistemologia, mas, contrariamente a isso, que ajam de maneira a clarear questões ideológicas que pressionam uma e outra instituições sociais em suas atribuições cotidianas.

Não cabe à escola e à família perpetrarem justiça social, participação política consciente e justa distribuição de bens simbólico-culturais, entre eles os epistêmicos, onde a economia não se faz justa, onde a política não é ancorada na soberania do povo e onde a cultura simbólica e os diversos conhecimentos humanos não são concretamente produzidos, disponibilizados e apropriados segundo os critérios eqüinânimes da igualdade nas diferenças e da liberdade responsável. Nessa perspectiva, podemos compartilhar do entendimento de Sofia Sena, para quem “o conhecimento a respeito dos desafios e possibilidades da escola em prol das mudanças sociais” torna-se “o ponto de partida para superação dos quadros de desigualdade existentes” entre nós.

Mantidas essas especificidade, e sabendo que família não é escola e que escola não é família, considerando-se as tarefas do cuidar e do ensinar, um desafio sério é lembrado como uma das atribuições da instituição escolar: “A escola deve possibilitar aos membros da família a vivência de reflexões que lhes dêem condições de reconstruir a auto-estima para que não se sintam rejeitados e, sim, acolhidos pela instituição escolar”, provoca-nos Vilma Sônia de Carvalho. Em uma sociedade excludente, as limitações das inclusões institucionais podem ajudar mesmo, ainda que não torne as estruturas sociais mais favoráveis ao desenvolvimento humano. Mesmo assim, tomara que iniciativas da escola para trabalhar em conjunto com a família seja um caminho possível à melhoria de nossa produtividade escolar. Isso os professores e professoras, escolados na arte de educar, sabem bem como fazer. Eles não precisam de receitas; precisam, sim, de apoio social, incentivo e compreensão.

Socialmente referenciada, como nos lembra Nóvoa, a “ilha escola ensinante” pode, e até deve, associar-se à “ilha família cuidadora” para que, juntas, desenvolvam suas pequenas missões, sempre articuladas com as grandes questões sociais. Por aí, talvez, seguem as iniciativas que podem melhorar as estruturas sociais para que dêem condições de possibilidade ao saudável desenvolvimento das pessoas e à equilibrada realização humana.

Por Wilson Correia
Colunista Brasil Escola

 

TEXTO - 7


A participação da família e da escola na educação da criança.

A família e a escola formam uma equipe. É fundamental que ambas sigam os mesmos princípios e critérios, bem como a mesma direção em relação aos objetivos que desejam atingir.

Ressalta-se que mesmo tendo objetivos em comum, cada uma deve fazer sua parte para que atinja o caminho do sucesso, que visa conduzir crianças e jovens a um futuro melhor.
O ideal é que família e escola tracem as mesmas metas de forma simultânea, propiciando ao aluno uma segurança na aprendizagem de forma que venha criar cidadãos críticos capazes de enfrentar a complexidade de situações que surgem na sociedade.

Existem diversas contribuições que tanto a família quanto a escola podem oferecer, propiciando o desenvolvimento pleno respectivamente dos seus filhos e dos seus alunos. Alguns critérios devem ser considerados como prioridade para ambas as partes. Como sugestões seguem abaixo alguns deles:

Família

marcador

Selecionar a escola baseado em critérios que lhe garanta a confiança da forma como a escola procede diante de situações importantes;

marcador

Dialogar com o filho o conteúdo que está vivenciando na escola;

marcador

Cumprir as regras estabelecidas pela escola de forma consciente e espontânea;

marcador

Deixar o filho a resolver por si só determinados problemas que venham a surgir no ambiente escolar, em especial na questão de socialização;

marcador

Valorizar o contato com a escola, principalmente nas reuniões e entrega de resultados, podendo se informar das dificuldades apresentadas pelo seu filho, bem como seu desempenho.

Escola
 

marcador

Cumprir a proposta pedagógica apresentada para os pais, sendo coerente nos procedimentos e atitudes do dia-a-dia;

marcador

Propiciar ao aluno liberdade para manifestar-se na comunidade escolar, de forma que seja considerado como elemento principal do processo educativo;

marcador

Receber os pais com prazer, marcando reuniões periódicas, esclarecendo o desempenho do aluno e principalmente exercendo o papel de orientadora mediante as possíveis situações que possam vir a necessitar de ajuda;

marcador

Abrir as portas da escola para os pais, fazendo com que eles se sintam à vontade para participar de atividades culturais, esportivas, entre outras que a escola oferecer, aproximando o contato entre família-escola;

marcador

É de extrema importância que a escola mantenha professores e recursos atualizados, propiciando uma boa administração de forma que ofereça um ensino de qualidade para seus alunos.

A parceria da família com a escola sempre será fundamental para o sucesso da educação de todo indivíduo. Portanto, pais e educadores necessitam ser grandes e fiéis companheiros nessa nobre caminhada da formação educacional do ser humano.

Por Elen Campos Caiado
Graduada em Fonoaudiologia e Pedagogia
Equipe Brasil Escola

 

TEXTO - 8

Prof. Ms. Joana Maria R. Di Santo

 

A família, durante muito tempo, nem foi objeto de estudos, no entanto é na instituição familiar que vivenciamos a primeira forma de amor com que se tem contato na vida. É nela que nos humanizamos. Se valorizarmos esse relacionamento e esse sentimento, vamos transmiti-los aos nossos filhos.

No entanto, a instituição família tem recebido pouco investimento das pessoas, até pela falta de sentido que a reveste nos dias de hoje, em que o consumismo reina soberano e até as leis ajudam na sua fragmentação. A instituição social mais tem colaborado na extinção do que na promoção da família.

Até os anos 1960, casar, criar filhos era um projeto de vida; agora, tal projeto ficou relegado a um plano secundário e, praticamente, perdeu o sentido, como perderam o sentido os valores a longo prazo. A humanidade como um todo está perdendo o sentido propriamente humano da afetividade e compromisso com o conjunto para a individualidade, o consumismo, a solidão.

Numa breve retrospectiva histórica, vemos que, nos anos 1960, a política autoritária, não apenas do Brasil, mas de muitas partes do mundo, fez com que os jovens se revoltassem contra todo poder instituído, inclusive o patriarcal. Queriam quebrar barreiras e a família foi a primeira delas, a mais acessível naquele momento de amor livre, de “revolução branca” contra as amarras institucionais.

A família patriarcal, com o pai dando todas as ordens, já não é preponderante, inclusive porque nas favelas, principalmente, há falta de homens de 14 a 25 anos, que são mortos de maneira violenta (conforme pesquisas amplamente divulgadas), fazendo com que a mulher assuma as duas funções: paterna e materna. Nesse sentido, tratar as famílias de hoje da mesma forma que as de outrora, exigindo delas as mesmas responsabilidades e atribuições de então seria agir diacronicamente, sem sintonia com a realidade atual. “A ausência da figura paterna é muito freqüente e está associada à falta de limites e ao desenvolvimento de padrões alterados de conduta. A função paterna será associada, muitas vezes, à figura de um delinqüente “poderoso” (Outeiral, 2005, p.29).

Acrescenta-se a tal situação que, com a tecnologia altamente desenvolvida a que temos acesso nos dias de hoje, tudo fica bonito e veloz, mas, dentro de casa, onde estão os sentimentos? Onde está o espaço do diálogo entre os familiares? A grande chave do relacionamento familiar é poder amar de verdade e converter isso em ação. Para tanto há que se reservar um tempo específico. E, na atualidade, tudo indica que tal ação não esteja ocorrendo a contento. Nossa sociedade de tantas contradições está promovendo muito mais a aproximação e intercâmbio entre projetos e culturas diferentes do que entre os membros de uma mesma família e, também, do que entre as famílias e as equipes das escolas que seus filhos freqüentam.

É certo que os papéis da família e da escola, antes prioritariamente repressores, modificaram-se ao longo das últimas décadas. Uma das principais diferenças refere-se à transmissão do conhecimento, pois antigamente, essa transmissão dava-se apenas na escola, a agência por excelência destinada à transmissão dos conhecimentos acumulados pela sociedade. Os valores e padrões de comportamento eram ensinados e cultivados em casa.

Atualmente, a família tem passado para a escola a responsabilidade de instruir e educar seus filhos e espera que os professores transmitam valores morais, princípios éticos e padrões de comportamento, desde boas maneiras até hábitos de higiene pessoal. Justificam alegando que trabalham cada vez mais, não dispondo de tempo para cuidar dos filhos. Além disso, acreditam que educar em sentido amplo é função da escola. E, contraditoriamente, as famílias, sobretudo as desprivilegiadas, não valorizam a escola e o estudo, que antigamente era visto como um meio de ascensão social.

A escola, por sua vez, afirma que o êxito do processo educacional depende, e muito, da atuação e participação da família, que deve estar atenta a todos os aspectos do desenvolvimento do educando. Reclama bastante da responsabilidade pela formação ampla dos alunos que os pais transferiram para ela, e alega que isto a desviou da função precípua de transmitir os conteúdos curriculares, sobretudo de natureza cognitiva. Com isso, ao invés de ter as famílias como aliadas, acaba afastando-as ainda mais do ambiente escolar. E todos perdem!

Há que se considerar, ainda, os casos de separação do casal, em que as crianças são colocadas diretamente no embate e sofrem muito mais que os pais, que deixam de ser marido e mulher, mas continuam pai e mãe das crianças. Quando já estava presente um relacionamento de confiança família-escola, e esta acolhe o aluno de maneira satisfatória, os sentimentos de abandono e medo do futuro diminuem. Em geral, tais pessoas conseguem comunicar-se melhor com as próprias oportunidades que o mundo oferece e geralmente tiveram o privilégio do estímulo familiar, impulsionando e apontando o compromisso com a dignidade, a possibilidade de conquistar os próprios sonhos, alicerçando condições para que as pessoas acreditem em si mesmas e ajam com vistas ao sucesso.

Já no caso das famílias que têm se envolvido com a educação dos filhos enquanto cobrança, principalmente da promoção de uma série para outra, e também de comportamento e interação, colocando em plano secundário a motivação, o prazer de freqüentar a escola e de aprender, os problemas se agravam. Como esperar alunos estimulados e envolvidos com o processo de ensino-aprendizagem se a cobrança de resultados é excessiva e o medo de não corresponder às expectativas imobiliza?

Como as demais instituições sociais, a família e a escola, passam por mudanças que redefinem sua estrutura, seu significado e o seu papel na sociedade. É o que tem acontecido nos dias de hoje, em função de diversos fatores, sobretudo, a emancipação feminina. Com isso, os papéis da escola foram ampliados para dar conta das novas demandas da família e da sociedade. Esse é um fato que deve, necessariamente, ser levado em consideração quando se trabalha com a escola. Negá-lo é agir fora da realidade e não obter resultados satisfatórios.

É certo que cada segmento apresenta reclamações e expectativas em relação ao outro; os professores acham que os pais devem estabelecer limites e ensinar a seus filhos os princípios básicos de respeito aos semelhantes, boas maneiras, hábitos de alimentação e higiene pessoal, etc. Por sua vez, os pais se recusam a comparecer à escola para ouvir sermões e serem instados a criar situações que possibilitem a aprendizagem de seus filhos, alegando que a função de ensinar conteúdos, criar situações de aprendizagem é da escola, dos professores.

Se num primeiro momento os professores reclamaram e rejeitaram a função mais ampla de transmitir valores morais, princípios éticos e padrões de comportamento, desde boas maneiras até hábitos de higiene pessoal e alimentação, como falamos anteriormente, hoje já não estão tão arredios em participar de tais atividades e, também, atender a esses pais, ouvindo-os, dialogando com eles e, dessa forma, colaborando para a sua formação e de seus filhos.

As escolas, por sua vez, estão abrindo espaços para a participação das famílias, a ponto de, hoje, família e escola serem co-autoras das decisões administrativas e pedagógicas, o que acaba favorecendo e facilitando a educação dos estudantes. As faculdades de Pedagogia e os cursos de licenciatura vêm debatendo a necessidade de ambas caminharem juntas, se responsabilizando mutuamente pela formação dos alunos. Estão discutindo entre seus pares que, para haver parceria e composição de tarefas, é preciso ter clareza do que cabe a cada uma das instituições. A escola deve compreender que a família mudou e é com essa família que deve trabalhar. A escola precisa ser o espaço de formação/preparação das novas gerações. Os professores precisam aproximar-se de seus alunos tendo o apoio constante da família.

Valorizar a heterogeneidade em lugar da ambicionada homogeneidade perseguida pela escola tradicional, a universalização do ensino, evitando a discriminação e o abandono, o processo e não apenas o produto do conhecimento, o respeito à diferença, investindo na educação inclusiva, o papel do professor como mediador do processo, bem como a necessidade de constituir junto aos estudantes valores e conceitos para a vida harmoniosa e plena em cidadania, são tarefas relativamente recentes e bastante complexas a serem assumidas por todos os envolvidos no trabalho escolar. 

Finalmente, na relação família/educadores, um sujeito sempre espera algo do outro. E para que isto de fato ocorra é preciso que sejamos capazes de construir de modo coletivo uma relação de diálogo mútuo, onde cada parte envolvida tenha o seu momento de fala, onde exista uma efetiva troca de saberes. A construção dessa relação implica em uma capacidade de comunicação que exige a compreensão da mensagem que o outro quer transmitir, e para tanto, se faz necessário, a competência e o desejo de escutar o que está sendo expresso, bem como a flexibilidade para apreender idéias e valores que podem ser diferentes dos nossos.

Por parte da escola: respeito pelos conhecimentos e valores que as famílias possuem, evitando qualquer tipo de preconceito e favorecendo a participação dos componentes da instituição familiar em diferentes oportunidades, estimulando o diálogo com os pais e possibilitando-lhes, também, obter um ganho enquanto sujeitos interessados em evoluir e se aperfeiçoar e como seres humanos e cidadãos compromissados com a transformação da realidade.

 

TEXTO - 9

Família e Escola uma via de mão dupla!

 Criar os filhos, educá-los, prepará-los para agir com responsabilidade e segurança no conturbado mundo em que hoje vivemos é uma tarefa tão exigente e desafiadora quanto prazerosa e gratificante.

Considerando que o ser humano aprende o tempo todo, nas mais diversas instâncias que a vida lhe apresenta, o papel da família é fundamental, pois é ela que decide, desde cedo, o quê seus filhos precisam aprender, quais as instituições que devem freqüentar, o que é necessário saberem para tomarem as decisões que os beneficiem no futuro.

Escolher a escola adequada às expectativas da família e que, ao mesmo tempo, seja do agrado da criança, é um empreendimento cujo sucesso depende, em grande parte, da perspicácia e habilidade dos pais ao avaliar diferentes propostas. Estar atento ao projeto educativo e ao perfil disciplinar da instituição auxilia a optar por aquela cujos valores e fundamentos mais se assemelhem aos da família em termos de exigências, posturas, visão de mundo. Conhecer as dependências e possibilidades da escola, seus diferenciais, bem como os profissionais que estarão encarregados da educação de seu filho também é recomendado.

Tanto quanto a convivência e o relacionamento familiar são fatores fundamentais para o desenvolvimento individual, a inserção da criança no universo coletivo, a mediação entre ela e o mundo, entre ela e o conhecimento, sua adaptação ao ambiente escolar, o relacionamento com os professores e funcionários da Escola, a convivência com os colegas, são fatores decisivos para o seu desenvolvimento social.

Entender o indivíduo como parte de um sistema, ou todo, organizado, com elementos que interagem entre si, influenciando cada parte e sendo por ela influenciado, traz uma luz à compreensão acerca do desenvolvimento humano, contribuindo para a reflexão sobre os contextos familiar e escolar, que tanto podem ser elementos de continência, inclusão e segurança, como fontes de conflitos, com ênfase nas perdas que se podem apresentar no percurso.

Família e escola são pontos de apoio e sustentação ao ser humano; são marcos de referência existencial. Quanto melhor for a parceria entre ambas, mais positivos e significativos serão os resultados na formação do sujeito. A participação dos pais na educação formal dos filhos deve ser constante e consciente. Vida familiar e vida escolar são simultâneas e complementares. É importante que pais, professores, filhos/alunos compartilhem experiências, entendam e trabalhem as questões envolvidas no seu dia- a- dia sem cair no julgamento “culpado  x  inocente”, mas buscando compreender as nuances de cada situação, uma vez que tudo o que se relaciona aos filhos tem a ver, de algum modo, com os pais e vice-versa, bem como tudo que se relaciona aos alunos tem a ver, sob algum ângulo, com a escola e vice-versa.

Assim, cabe aos pais e à escola a preciosa tarefa de transformar a criança imatura e inexperiente em cidadão maduro, participativo, atuante, consciente de seus deveres e direitos, possibilidades e atribuições.

 

TEXTO - 10

A RELAÇÃO FAMÍLIA/ESCOLA

Por Sonia das Graças Oliveira Silva

Hoje em dia há a necessidade de a escola estar em perfeita sintonia com a família. A escola é uma instituição que complementa a família e juntas tornam-se lugares agradáveis para a convivência de nossos filhos e alunos. A escola não deveria viver sem a família e nem a família deveria viver sem a escola. Uma depende da outra na tentativa de alcançar o maior objetivo, qual seja, o melhor futuro para o filho e educando e, automaticamente, para toda a sociedade.

Um ponto que faz a maior diferença nos resultados da educação nas escolas é a proximidade dos pais no esforço diário dos professores. Infelizmente, são poucas as escolas que podem se orgulhar de ter uma aproximação maior com os pais, ou de realizarem algumas ações neste sentido. Entretanto, estas ações concretas, visando atrair os pais para a escola, podem ser uma ótima saída para formar melhor os alunos dentro dos padrões de estudos esperados e no sentido da cidadania.

Atualmente, os pais devem estar cada vez mais atentos aos filhos, ao que eles falam, o que eles fazem, as suas atitudes e comportamentos. E, apesar de ser difícil, a escola também precisa estar atenta. Eles se comunicam conosco de várias formas: através de sua ausência, de sua rebeldia, seu afastamento, recolhimento, choro, silêncio. Outras vezes, grito, zanga por pouca coisa, fugas, notas baixas na escola, mudanças na maneira de se vestir, nos gestos e atitudes. Os pais devem perceber os filhos. Muitas vezes, através do comportamento, estão querendo dizer alguma coisa aos pais. E estes, na correria do dia-a-dia, nem prestam atenção àqueles pequenos detalhes.

Por vezes, os jovens estão tentando pedir ajuda e, mesmo achando que o filho ultimamente está “meio estranho”, muitos pais consideram isso como normal, “coisa de adolescente”, vai passar, é só uma fase. Há que se observar estes sinais. Podem dizer muito de problemas que precisam ser solucionados, como inadequação, dificuldades nas disciplinas, com os colegas, com os professores, e outras causas.

Aí entra a parceria família/escola. Uma conversa franca dos professores com os pais, em reuniões simples, organizadas, onde é permitido aos pais falarem e opinarem sobre todos os assuntos, será de grande valia na tentativa de entender melhor os filhos/alunos. A construção desta parceria deveria partir dos professores, visando, com a proximidade dos pais na escola, que a família esteja cada vez mais preparada para ajudar seus filhos. Muitas famílias sentem-se impotentes ao receberem, em suas mãos os problemas de seus filhos que lhe são passados pelos professores, não estão prontas para isso.

É necessária uma conscientização muito grande para que todos se sintam envolvidos neste processo de constantemente educar os filhos. É a sociedade inteira a responsável pela educação destes jovens, desta nova geração.

As crianças e jovens precisam sentir que pertencem a uma família. Sabe-se que a família é a base para qualquer ser, não se refere aqui somente família de sangue, mas também famílias construídas através de laços de afeto. Família, no sentido mais amplo, é um conjunto de pessoas que se unem pelo desejo de estarem juntas, de construírem algo e de se complementarem. É através dessas relações que as pessoas podem se tornar mais humanas, aprendendo a viver o jogo da afetividade de modo mais adequado.

Percebe-se que muito tem sido transferido da família para a escola, funções que eram das famílias: educação sexual, definição política, formação religiosa, entre outros. Com isso a escola vai abandonando seu foco, e a família perde a função. Além disso, a escola não deve ser só um lugar de aprendizagem, mas também um campo de ação no qual haverá continuidade da vida afetiva. A escola que funciona como quintal da casa poderá desempenhar o papel de parceira na formação de um indivíduo inteiro e sadio. É na escola que deve se conscientizar a respeito dos problemas do planeta: destruição do meio ambiente, desvalorização de grupos menos favorecidos economicamente, etc.

Na escola deve-se falar sobre amizade, sobre a importância do grupo social, sobre questões afetivas e respeito ao próximo.

Reforço aqui a necessidade de se estudar a relação família/escola, onde o educador se esmera em considerar o educando, não perdendo de vista a globalidade da pessoa, percebendo que, o jovem, quando ingressa no sistema escolar, não deixa de ser filho, irmão, amigo, etc.
A necessidade de se construir uma relação entre escola e família, deve ser para planejar, estabelecer compromissos e acordos mínimos para que o educando/filho tenha uma educação com qualidade tanto em casa quanto na escola.

 

TEXTO - 11

Dia da Família na Escola aproximou pais, alunos e professores da rede municipal de Joinville

Palestras, jogos, apresentações culturais, cinema e até sessão de massagem fizeram parte da programação

Famílias inteiras aproveitaram o sábado para conhecer a escola onde os filhos estudam e participar de diversas atividades em Joinville. O Dia da Família na Escola mobilizou as 85 unidades que fazem parte da rede municipal. Palestras, jogos, apresentações culturais, cinema e até sessão de massagem fizeram parte da programação.

Nair Michellatti desfilava toda orgulhosa com os filhos André Luiz, sete anos, e João Pedro, oito anos, pelo pátio da Escola Municipal Valentim João da Rocha, no Vila Nova.

— É um tempo a mais que temos para passar com as crianças — opina.

Ela levou os irmãos para pular corda, ouvir histórias e para almoçar. Além disso, pegou o boletim dos meninos e ficou muito contente com as notas.

— Eles são muito estudiosos — diz.

Na Escola Municipal Avelino Marcante, no Bom Retiro, antes da feijoada servida no almoço, pais e alunos puderam participar de atividades esportivas, assistiram filmes e participar de uma aula de massagem relaxante. A voluntária Marinha Marlene dos Passos ensinou formas de aliviar a tensão e o estresse.

— Estamos aproveitando todas as atividades, este é o momento para conhecer melhor os professores e amigos dos nossos filhos — diz Mario Avez acompanhado da filha Bruna Cruz, dez anos, aluna da 6ª série.

Na Escola Municipal Ruben Roberto Schmidlin, no bairro Morro do Meio, a comunidade aproveitou para fazer documentos como CPF, Carteira de Trabalho e RG por meio do Núcleo de Advocacia da Ajorpeme.

O Dia da Família na Escola mobilizou as 85 unidades que fazem parte da rede municipal
Foto:Fabrizio Motta.

 

TEXTO - 12

MODOS DE EDUCAÇÃO, GÊNERO E RELAÇÕES ESCOLA–FAMÍLIA

MARIA EULINA PESSOA DE CARVALHO

Centro de Educação e Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre a Mulher e Relações de Sexo e Gênero – Universidade Federal da Paraíba - mepcarv@openline.com.br

RESUMO:

As relações entre escola e família baseiam-se na divisão do trabalho de educação de crianças e jovens, envolvendo expectativas recíprocas. Quando se fala na desejável parceria escola–família e convoca-se a participação dos pais na educação, sobretudo pelo dever de casa como estratégia de promoção do sucesso escolar, não se consideram: as mudanças históricas e a diversidade cultural nos modos de educação e reprodução social; as relações de poder entre estas instituições e seus agentes; a diversidade de arranjos familiares e as desvantagens materiais e culturais de grande parte das famílias; as relações de gênero que estruturam a divisão de trabalho em casa e na escola. Este texto discute estas questões argumentando que a política educacional, o currículo e a prática pedagógica articulam os trabalhos educacionais realizados pela escola e pela família, segundo um modelo de família e papel parental ideal e com base nas divisões de sexo e gênero, subordinando a família à escola e sobrecarregando as mães, o que perpetua a iniqüidade de gênero.

RELAÇÕES DE GÊNERO – RELAÇÕES ESCOLA–FAMÍLIA – EDUCAÇÃO – PAIS

As relações entre a escola e a família, além de supostos ideais comuns, baseiam-se na divisão do trabalho de educação de crianças e jovens, e envolvem expectativas recíprocas. Quais as concepções de educação compartilhadas por famílias e escolas? Serão essas concepções homogêneas e convergentes? Quais as responsabilidades, contribuições e limites educativos específicos dessas duas instituições? Como cada uma delas define seu papel e o papel da outra, via professoras/es, especialistas, gestoras/es, pais, mães e outros familiares? Como as relações de gênero se manifestam no contexto dessas relações? Quando se fala na desejável parceria escola–família e se convoca a participação dos pais (termo genérico para pais e mães) na educação, como estratégia de promoção do sucesso escolar, não se consideram:

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As relações de poder variáveis e de mão dupla, relações de classe, raça/ etnia, gênero e idade que, combinadas, estruturam as interações entre essas instituições e seus agentes;

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A diversidade de arranjos familiares e as desvantagens materiais e culturais de uma parte considerável das famílias;

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As relações de gênero que estruturam as relações e a divisão de trabalho em casa e na escola.

Essas questões serão discutidas neste texto, desenvolvendo-se dois argumentos.

O primeiro é que os modos de educação são historicamente produzidos com base em diversos arranjos (que denominamos educação informal, não formal e formal) e instituições, tais como a família, o trabalho, a escola e os meios de comunicação de massa. A educação escolar veio a ser o modo predominante na sociedade moderna. O segundo é que a política educacional, o currículo e a prática pedagógica articulam os trabalhos educacionais realizados pela escola e pela família conforme um modelo de família e papel parental ideal, com base nas divisões de sexo e gênero, subordinando a família à escola e sobrecarregando as mães, sobretudo as trabalhadoras e chefes de família, portanto perpetuando a iniqüidade de gênero (Carvalho, 2000).

SITUANDO AS RELAÇÕES FAMÍLIA–ESCOLA

Recentemente, o grupo de técnicas encarregadas da sistematização do Plano de Desenvolvimento Escolar – PDE — de uma escola pública de João Pessoa Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 43 Modos de educação... teve a idéia de elaborar uma cartilha para  mostrar à comunidade escolar como o envolvimento dos pais na aprendizagem dos filhos, em casa e na escola, pode melhorar seu desempenho, na escola e na vida; e elaborou uma história em quadrinhos com três episódios.

O primeiro episódio traz uma conversa entre vizinhas sobre os cuidados com os filhos. Maria diz a Luíza que, mesmo trabalhando o dia inteiro e mesmo sem saber ler, ela pode arranjar um tempinho e sentar com o filho para ver o dever de casa. Maria também dá a sua comadre a receita para menino muito “danado” na sala de aula, ou seja, para indisciplina escolar: depois que passou a dar mais atenção a seu menino em casa e a participar da vida dele na escola, ele melhorou muito.

O segundo episódio se passa na sala de professores e baseia-se no pressuposto de que quem tem tempo para procurar a professora é a mãe. Por isso, a professora pede a ajuda da mãe e não do pai:

Mãe: Professora Dalva, por que a senhora não está mandando o dever de casa pro meu menino fazer?

Professora: Porque ele tem levado a tarefa de casa e volta sempre do mesmo jeito, sem fazer.

Mãe: E o que eu faço se eu nem sei ler?

Professora: Quem tem de fazer a tarefa é ele. Mas a senhora pode sentar com ele na hora de fazer a tarefa. Isso pode ajudá-lo a gostar mais de estudar e de fazer as tarefas.

Mãe: E é?

Professora: Sim, Dona Luíza. A senhora pode ajudar muito o seu filho na escola se cuidar do material escolar, da roupa e da comida dele.

Mãe: Mas pra que tudo isso?

Professora: Para seu filho se sentir mais querido e dessa forma ter mais interesse pela escola. Eu lhe garanto que ele vai aprender muito mais e melhor.

O terceiro episódio mostra uma reunião de pais na escola. Há pais e mães, mas os pais estão em primeiro plano e quem fala é um pai que pede esclarecimentos à professora sobre obstáculos à aprendizagem. A professora, então, explica como os pais devem colaborar para superar os obstáculos (João Pessoa, 2002).

O que esses episódios, retratados na cartilha, têm a ver com as relações de gênero?

Para responder a essa pergunta, consideremos antes outras questões que configuram o contexto em que se situam esses episódios: Por que o envolvimento 44 Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 Maria Eulina Pessoa de Carvalho dos pais na educação escolar é necessário e desejável? Por que as professoras necessitam da cooperação dos pais para desempenhar seu trabalho pedagógico com sucesso? Por que as escolas estão chamando os pais a se envolverem na aprendizagem dos alunos e alunas em casa e na escola? Quais as implicações da atual política educacional de incentivo à participação dos pais na educação escolar?

A POLÍTICA DE ENVOLVIMENTO DOS PAIS NA ESCOLA

Do ponto de vista da escola, envolvimento ou participação dos pais na educação dos filhos e filhas significa comparecimento às reuniões de pais e mestres, atenção à comunicação escola–casa e, sobretudo, acompanhamento dos deveres de casa e das notas. Esse envolvimento pode ser espontâneo ou incentivado por políticas da escola ou do sistema de ensino (Carvalho, 2000).

A política de participação dos pais na escola gera concordância imediata e até mesmo entusiasmada: parece correta porque se baseia na obrigação natural dos pais, aliás, mães; parece boa porque sua meta é beneficiar as crianças; e parece desejável porque pretende aumentar tanto a participação democrática quanto o aproveitamento escolar. Além disso, tem eco na tradição cultural da classe média, especificamente na crença de que a família influencia a política escolar (a qualidade do ensino), sobretudo no contexto das escolas particulares, onde a relação entre pais-consumidores e diretores-proprietários-produtores é direta e a dependência mútua é clara. Entretanto, além de condições e disposições dos pais para participar, a política de incentivo a sua participação na escola (particularmente no contexto da escola pública) pressupõe aquilo que ela quer construir: continuidade cultural e identidade de propósitos entre famílias e escolas.

Em que circunstâncias as professoras necessitam da cooperação dos pais? Se elas têm condições de trabalho satisfatórias e se os/as estudantes aprendem, não há necessidade de chamar os pais. As professoras recorrem aos pais quando se sentem frustradas e impotentes — quando os/as estudantes apresentam dificuldades de aprendizagem e/ou de comportamento, com as quais elas não conseguem lidar. Culpam a família (a ausência dos pais) pelas dificuldades dos estudantes porque têm sido culpadas (implícita ou explicitamente) pelas autoridades escolares, pela mídia e até pelos próprios pais e mães pelas deficiências do ensino e pelo fracasso escolar. Além disso, carecem de instrumentos teóricos e práticos para desenvolver uma crítica social, institucional e pedagógica efetiva, devido às próprias condições adversas de vida e de trabalho – que as levam, contraditória e simultaneamente, a mover a aprendizagem dos/as estudantes e avaliá-los segundo o modelo da reprovação.

Os pais/mães tampouco necessitam participar da educação escolar dos/as filhos/as quando estes/as vão bem na escola, e preferem confiar nas professoras e deixar para elas a tarefa de ensinar o currículo escolar. (A suposição aqui é que a colaboração dos familiares, na forma de reforço escolar em casa, não é condição necessária para a aprendizagem e o sucesso escolar, e que há alunos e alunas que aprendem sem auxílio extra-classe). Por um lado, as relações entre pais/mães e filhos/ as em casa podem ser mais agradáveis e relaxadas quando não envolvem exigências escolares, testes e dever de casa. (Parece perigoso restringir e subordinar o amor entre mãe/pai e filho/a à situação do cumprimento do dever de casa e do sucesso escolar, como sugerido no segundo episódio da cartilha). Por outro lado, para os pais/mães, interessar-se pela educação dos filhos e filhas não significa cuidar apenas da parte acadêmica, isto é, do sucesso escolar, pois a educação, do ponto de vista da família, comporta aspectos e dimensões que não estão incluídas no currículo escolar.

Em suma, se há concordância acerca do conteúdo, método e da qualidade do ensino oferecido pela escola, isto é, apoio tácito dos pais/mães, e aprendizagem satisfatória dos filhos/as, isto é, convergência positiva do aproveitamento individual e da eficácia escolar, tudo vai bem nas relações família–escola. Mas, se os resultados são insatisfatórios ou deficientes, seja em termos individuais ou institucionais, ou se há conflitos entre o currículo escolar e a educação doméstica, então há problemas.

Portanto, a relação família–escola basicamente depende de consenso sobre filosofia e currículo (adesão dos pais/mães ao projeto político-pedagógico da escola), e de coincidência entre, de um lado, concepções e possibilidades educacionais da família e, de outro, objetivos e práticas escolares. A relação família–escola também será variavelmente afetada pela satisfação ou insatisfação de professoras e de mães/pais, e pelo sucesso ou fracasso do/a estudante. Ocorre que família e pais não são categorias homogêneas e as relações entre famílias e escolas, pais/mães (e outros responsáveis) e professoras/professores também comportam tensões e conflitos. Algumas famílias e pais/mães participam mais do que outras; e se as professoras, por um lado, desejam ajuda dos pais, por outro lado, se ressentem quando este envolvimento interfere no seu trabalho pedagógico e em sua autoridade profissional.

Qual a explicação para a variação no envolvimento dos pais na escola? Para responder essa questão precisamos considerar variáveis de classe e sexo-gênero. Se concordarmos, como algumas pesquisas estão sugerindo (Henderson, Berla, 46 Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 Maria Eulina Pessoa de Carvalho 1994; Heneveld, 1994; Projeto Nordeste, 1997; U.S. Department of Education, 1987), que a participação dos pais na escola está relacionada ao desempenho escolar do estudante, ou seja, quanto maior o envolvimento destes na educação dos filhos e filhas, maior o aproveitamento escolar, temos de considerar as condições materiais e culturais das famílias e a disponibilidade de seus responsáveis. Pois há muito sabemos, embora haja exceções, que o fracasso escolar atinge as crianças das famílias mais pobres das escolas públicas mais carentes.

CLASSE SOCIAL, GÊNERO E RELAÇÕES FAMÍLIA–ESCOLA

O uso do termo genérico pais esconde a condição de sexo-gênero da participação familiar. Recentemente, a novela Mulheres apaixonadas da Rede Globo mostrou uma reunião escolar de pais de classe média alta, em que o único pai presente era um viúvo. A presença de um pai é sempre surpreendente, pois todas as professoras, de escolas públicas e privadas, reportam a presença predominante, quando não exclusiva, das mães nas reuniões de “pais e mestres”. Também são as mães que dão uma palavrinha com a professora quando entregam o filho ou filha na escola, a exemplo do episódio retratado na cartilha.

Minhas alunas de Pedagogia, que são professoras de escolas públicas, descrevem assim os alunos e alunas que sempre fazem o dever de casa: “participantes, atentos, que têm ajuda, que têm pais e mães presentes, interessados/as, com boas condições financeiras, que são exigidos pela escola, com boa relação familiar, com pais e mães escolarizados/as”. Em contraste, alunos e alunas que não costumam fazer o dever de casa “possuem pais e mães ausentes, pais e mães analfabetos, não têm ajuda, alunos que trabalham, alunos bagunceiros, são desorganizados, brincalhões, rebeldes” (Carvalho, 2003).

Como sabemos, participar da educação dos filhos e filhas comparecendo às reuniões escolares e, sobretudo, monitorando o dever de casa, requer certas condições: basicamente, capital econômico e cultural (Bourdieu, 1986), vontade e gosto.

Capital econômico se traduz em tempo livre (e boa qualidade de vida) para que o pai ou mãe se dedique ao acompanhamento dos filhos/filhas ou, na falta de tempo, dinheiro para pagar uma professora particular em casa ou aulas de reforço. Capital cultural significa cultura acadêmica (científica) e conhecimento atualizado dos conteúdos curriculares e de pedagogia.

Assim, a escola (a professora) espera que mães e pais arranjem tempo para monitorar o dever de casa diariamente e atender algumas demandas escolares (even Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 47 Modos de educação...) atualmente (como providenciar materiais para projetos especiais ou dar assistência a trabalhos de grupo nos fins de semana), tempo após a jornada diária de trabalho e que sobra do atendimento de suas próprias necessidades, obrigações e opções quanto à divisão do trabalho doméstico, horários de descanso, programas de lazer, com os quais o dever de casa supostamente não interfere. A escola (a professora) supõe também que os pais/mães gostariam de se atualizar em relação ao currículo escolar ou voltar à escola (ou iniciar os estudos, no caso dos não-escolarizados), a fim de participar do projeto da educação pública e do desenvolvimento dos seus filhos/as, o que seria, sem dúvida, desejável, mas nem sempre é possível. Essas condições favoráveis à participação dos pais na educação escolar apontam para um modelo de família particular, que conta com um adulto, geralmente a mãe, com tempo livre, conhecimento e uma disposição especial para educar. Este é o modelo tradicional de família de classe média, que não corresponde às condições de vida da maioria das famílias pobres, trabalhadoras, e que está desaparecendo na própria classe média, com o ingresso das mulheres em ocupações remuneradas. Então, se o dever de casa (e o sucesso escolar) tem dependido da doação do tempo (trabalho gratuito) das mães, sobrecarregando aquelas que exercem trabalho remunerado fora de casa, por que incentivar a participação dos pais na educação dos filhos/as em casa e na escola? Ainda mais quando sabemos que o incentivo se dirige justamente àqueles que não participam por falta de condições e possibilidades, ou, como às vezes se supõe, por falta de uma cultura familiar que valorize os estudos.

Para entender por que essa política de envolvimento dos pais na escola parece legítima e desejável, convém examinar brevemente a história da educação e das relações entre família e escola.

MODOS DE EDUCAÇÃO, FAMÍLIA E ESCOLA: PANORAMA HISTÓRICO

A educação tem um papel fundamental na produção e reprodução cultural e social e começa no lar/família, lugar da reprodução física e psíquica cotidiana – cuidado do corpo, higiene, alimentação, descanso, afeto –, que constituem as condições básicas de toda a vida social e produtiva. Como processo de socialização, a educação tem duas dimensões: social – transmissão de uma herança cultural às novas gerações através do trabalho de várias instituições; e individual – formação de disposições e visões, aquisição de conhecimentos, habilidades e valores. A dimensão individual é subordinada à social no contexto de interesses objetivos e relações 48 Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 Maria Eulina Pessoa de Carvalho de poder, neste caso baseadas na categoria idade-geração, seja na família, seja na escola.

Antigamente, educar significava criar crianças restringindo-se aos cuidados físicos. Desde o início, portanto, a educação é um trabalho e uma palavra gendrada, o que corresponde à divisão sexual do trabalho na sociedade patriarcal: trabalho reprodutivo das mulheres e trabalho produtivo e intelectual dos homens. Etimologicamente, em latim, educação referia-se a um sujeito feminino, enquanto docência e instrução referiam-se a um sujeito masculino (Illich apud Sanders, 1995). Essa distinção refere-se a dois lugares: um lugar original de relações físicas e afetivas espontâneas, de nutrição silente, como contexto de desenvolvimento infantil – o lar, a família; e outro lugar de relações intencionais, racionais, de treinamento específico, de controle e regulamentação explícita, que expressa uma visão masculina da educação – a escola.

Os modos de educação e de reprodução social variam ao longo da história e  em diferentes sociedades, bem como entre os grupos e classes de uma mesma sociedade. Historicamente, educar, no sentido geral de criar crianças (Williams, 1983), não é atribuição exclusiva quer dos pais/mães biológicos, quer da família, quer da escola. O cuidado dos mais jovens, a transmissão da cultura do grupo social (o ensino de modos de conhecimento, produção, relação e participação) e a preparação para os papéis adultos (na guerra, trabalho, sexualidade, família e cidadania) eram tarefas educativas assumidas por vários indivíduos, grupos e instituições (mães, pais, idosos/as, professores/as, famílias extensas, clãs, tribo, vizinhança, comunidade, igrejas e escolas) por meio de uma variedade de arranjos. Antes do surgimento da escola como um lugar separado e especializado de educação formal, as crianças e jovens educavam-se na família e na comunidade, inclusive pela participação nas práticas produtivas e rituais coletivos. A educação como transmissão cultural distinguia-se em popular (oral e prática) e erudita (letrada, formal, sinônimo de cultura), sendo esta última reservada às elites – em casa com mês três e mestras residentes, ou em colégios internos.

Nas sociedades ditas primitivas, a educação das crianças era uma tarefa comunitária, informal e imersa na vida prática, como ainda ocorre hoje em áreas rurais e urbanas das regiões pobres do mundo. Na Europa pré-moderna, as crianças eram criadas por outros adultos que não os pais/mães biológicos. A educação formal, sinal de distinção cultural e de classe, era exclusiva dos que tinham nascido no ápice da escala social. O filósofo francês Michel de Montaigne, nascido em 1533 numa família de senhores de terra, foi criado inicialmente por servos antes de ser Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 49 Modos de educação... considerado pronto para a educação formal, inicialmente em casa com tutores exclusivos e, depois, dos 6 aos 13 anos, no melhor colégio da França, quando concluiu seus estudos. Semelhantemente, nas colônias como o Brasil, as elites educavam os filhos e filhas (de maneira diferenciada) em casa, com tutores/as vindos da Europa, e em colégios religiosos, em regime de internato.

Portanto, as maneiras de transmitir valores, sentimentos, disposições, conhecimentos e habilidades socialmente valorizados (o currículo) têm variado em relação à organização e práticas (onde, quando, como, por quanto tempo), conteúdos (quais os saberes que se devem tornar hábitos, habilidades, matérias escolares), agências e agentes encarregados (quem é responsável pela organização e ensino) e sujeitos alvo (de acordo com categorias como idade, sexo, classe e raça). Mulheres, pessoas pobres, negras e indígenas foram por muito tempo excluídas da escola, ou tiveram acesso a escolas e currículos diferenciados. A educação escolar tornou-se o modo de educação predominante nas sociedades modernas, democráticas, a partir da escolarização compulsória em fins do século XIX, com uma organização específica: currículo seriado, sistema de avaliação, níveis, diplomas, professores, professoras e outros profissionais especializados. Entretanto, como um processo multifacetado de aprendizagem e desenvolvimento humano pela experiência e participação nas várias práticas e espaços sociais ao longo de toda a vida, a educação deve ser distinguida da escolarização. O fato de a educação ter se tornado sinônimo de escola é um fenômeno histórico – todavia, não se deve esquecer que a educação informal (por exemplo, pela televisão, da participação em grupos) tem um papel importante e ocorre também na escola, dentro e fora da sala de aula no contexto do currículo em ação e do currículo oculto (Brasil, 2001).

Na modernidade capitalista, nas sociedades urbano-industriais, a educação e a família se diferenciaram e especializaram. A transformação do modo de produção econômica precipitou drásticas mudanças na vida familiar, com a transferência da produção e controle econômico do domicílio para as fábricas e os mercados, e no modo de educação, com a organização do sistema educacional tal como o conhecemos, com seu corpo de profissionais. A família extensa, incluindo parentes e agregados, transformou-se em família nuclear, restrita a pai, mãe, filhos/as, perdendo parte de suas funções reprodutivas, econômicas e educacionais. Segundo a tendência secular moderna de diferenciação social e funcional e de burocratização, surgiram instituições especializadas de trabalho e educação fora da família, que perdeu controle sobre a produção econômica e sobre a educação, passando a se relacionar com organizações especializadas que lhe forneciam bens e serviços que elas não mais produziam  (Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 Maria Eulina Pessoa de Carvalho)  (Abercrombie et al., 1994; Bidwell, 1991). Com o advento da escolarização, a educação, que antes significava cuidado físico, atenção, nutrição, se expandiu de modo que incluísse hábitos, maneiras e preocupações intelectuais (Sanders, 1994).

Nesse contexto, a constituição da escola moderna está relacionada à emergência das classes médias, desde o momento em que a burguesia passou a se utilizar da educação formal como sinal de distinção, identificando-se com a aristocracia e distanciando-se das classes baixas. As famílias burguesas não podiam sustentar o tipo de domicílio multifuncional das elites, que provia a educação dos filhos por professores particulares residentes, e criaram as escolas-internatos, que proviam educação coletiva aos filhos de várias famílias num local público, tal como se deu nos séculos XVI e XVII na Inglaterra (Bidwell, 1991), onde até hoje escola pública significa o que denominamos escola particular, e não escola do Estado (state school, para nós escola pública).

Com a especialização das instituições de reprodução social e a separação da vida pública e privada, as famílias e lares (de acordo com o modelo das classes médias) foram redefinidos como local estritamente de reprodução sexual, física e psíquica, domínio exclusivo do afeto e da intimidade. As escolas, lugar da educação pública (em contraste com a educação doméstica), foram encarregadas da reprodução da cultura letrada (dominante), dos valores sociopolíticos e da qualificação para o trabalho, assumindo funções econômicas e ideológicas. Gradualmente, à medida que as famílias se nuclearizaram e se isolaram, e pais e mães passaram a trabalhar fora de casa, num movimento que reduzia suas funções reprodutivas culturais e sociais, a escolarização cresceu como um modo sistemático e especializado de educação, e tornou-se o contexto central do desenvolvimento individual das crianças e jovens, assumindo posteriormente funções sociais e emocionais adicionais. A instituição de um sistema estatal de escolaridade compulsória, de massa, a partir do final do século XIX no mundo ocidental, representou, de acordo com um historiador britânico (Musgrove apud Tyack, 1976), o triunfo da influência formativa das instâncias públicas sobre as privadas na vida social e desenvolvimento individual, o reconhecimento da obsolescência da família como educadora, sua inadequação para cuidar e treinar as crianças na sociedade moderna. Na Sociologia, Durkheim também apontou a superioridade da escola sobre a família na função de socialização para a vida moderna (Bidwell, 1991). E, de fato, tanto de uma perspectiva macro quanto micro, o advento da escola de massas representou uma solução para Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 51 Modos de educação... a reprodução social e educação individual na nova ordem urbano-industrial, substituindo a família e a comunidade. Concretamente, a provisão escolar atendeu às necessidades de cuidado, instrução e liberação das crianças – uma solução tanto para o lazer dos privilegiados quanto para a exploração dos numerosos pobres – à medida que o trabalho infantil era erradicado, o ingresso dos jovens no mercado de trabalho era crescentemente adiado, e o trabalho das mães, além daquele dos pais, afastava-as de casa.

A bandeira da educação para todos – em fins do século XIX nos países ricos, em fins do século XX nos países pobres – convida os excluídos a participarem do projeto democrático pelo acesso ao conhecimento, como condição para participação política, produtividade, empregabilidade (nos termos de hoje), e usufruto pessoal. A contrapartida da escolarização compulsória era a ideologia da educação como a grande panacéia social, combinando progresso socioeconômico, mobilidade social ascendente, a isca para a escola e, através dela, o acesso ao mercado de trabalho, à vida democrática, correspondendo às aspirações de parte das classes baixas e trabalhadoras-urbanas a uma vida digna. Assim, a escola pública (compulsória) materializava um novo contrato social (ou seja, uma troca de interesses institucionalizada), oferecendo um terreno (supostamente neutro) para a aquisição de um conhecimento comum, secular, não familiar, que apagaria as distinções culturais e sociais ligadas à família, classe social, etnia e religião de origem, consolidando a nova ordem democrática.

A universalização da escola básica, onde ela aconteceu, significou democratização (limitada) da cultura formal, mas também uniformização cultural; democratização no nível inferior da escolaridade e seleção (baseada em gênero, raça e classe) no nível superior; meritocracia como justificativa para a seleção, e mobilidade social ascendente limitada a códigos culturais específicos. Depois de um século de escola para todos, mesmo nos países ricos, o sucesso escolar não acontece para todos e a escolarização bem-sucedida não eliminou a desigualdade social. Há duas histórias da educação relacionadas à classe social e à interação família–escola (Carvalho, 2000). Uma história é aquela de uma classe que criou o valor da escola de acordo com uma concepção particular (utilitária) de educação: a escola como extensão da família da classe média. Outra história é aquela em que a escola, um modo de educação não familiar, foi imposta a uma classe como meio de salvação via aculturação. A primeira é a história do sistema escolar credencialista e dos Investimentos familiares na competição dos jovens de classe média por diplomas, enquanto a última é a história do fracasso escolar que legitima a exclusão econômica e que continua a alimentar as políticas compensatórias destinadas aos estudantes em situação de risco (socioeco52 Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 Maria Eulina Pessoa de Carvalho) (Cravens, 1993).

AS RELAÇÕES FAMÍLIA–ESCOLA NA ATUAL POLÍTICA EDUCACIONAL: DO MODELO DE DELEGAÇÃO AO MODELO DE PARCERIA

O discurso educacional da globalização neoliberal não é sobre justiça social e felicidade pessoal, mas sobre competitividade econômica, eficácia escolar (medida por testes), e sucesso individual por meio do investimento da família no dever de casa. Desde a década de 1990, a família está sendo chamada a participar na escola (perspectiva positiva) e está sendo responsabilizada pelo sucesso ou fracasso escolar (perspectiva negativa). Recentemente, o MEC instituiu o Dia Nacional da Família na Escola e publicou a cartilha Educar é uma tarefa de todos nós: um guia para a família participar, no dia-a-dia, da educação de nossas crianças (Brasil, 2002), seguindo a tendência atual da política educacional originada nos países hegemônicos, particularmente nos Estados Unidos. No passado, a política educacional (estatal, oficial) não englobava direta e explicitamente a educação familiar, subordinando, como agora, a educação doméstica ao currículo escolar via dever de casa. As famílias de classe média, todavia, têm alinhado tradicionalmente a educação doméstica ao currículo escolar, sobretudo no contexto das escolas privadas. Atualmente, porém, a política educacional está expandindo seu raio de ação para além da escola, formalizando as interações família–escola na escola pública, especificando a contribuição educacional da família para o sucesso escolar, e regulamentando as relações família–escola de acordo com um modelo particular de participação dos pais/mães na escola: o de classe média, baseado na divisão de gênero tradicional.

Essa política de envolvimento dos pais na escola e seu modelo de relações família–escola adquirem legitimidade precisamente por seu vínculo à classe média, já que é formulada por profissionais e representa as aspirações de ascensão social de muitos grupos excluídos, que acreditam na promessa da educação escolar e sonham com o estilo de vida das classes médias. Tem obtido adesão à direita e à esquerda do espectro político, de conservadores, que defendem a coesão familiar (a família unida em torno dos filhos/as fazendo o dever de casa), e de progressistas, que defendem a participação democrática dos pais/mães na melhoria da escola pública (Casanova, 1996; Carvalho, 2000). De acordo com estes últimos, necessitamos passar de um modelo de relações família–escola de delegação – aquele em Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 53 Modos de educação... que o Estado assumia um papel parental no contexto da educação compulsória –,para um modelo de parceria (Seeley, 1993).

De acordo com o modelo tradicional de delegação, a divisão de trabalho educacional entre escola e família era clara: a tarefa da escola era a educação acadêmica, enquanto a da família era a educação doméstica – assim, as professoras não deveriam esperar da família mais do que cuidados físicos e emocionais para que a criança chegasse à escola preparada para aprender o currículo escolar. A tão falada crise da família – divórcios, pais e mães estressados, mães trabalhadoras, mães chefes-de-família sobrecarregadas, falta de tempo (em quantidade e qualidade) para convivência com os/as filhos/as – reduziu seu papel no cuidado físico e emocional, bem como na disciplina social e moral, requerendo das escolas a extensão de seu tradicional papel de instrução acadêmica e cívica a fim de englobar vários aspectos de assistência biopsicossocial. Nesse contexto, é inconcebível atribuir à família um papel na educação acadêmica.

Parece razoável esperar que os pais/mães sejam parceiros, aliados das professoras, pois desejam o melhor para seus filhos/as – neste caso, o sucesso escolar. Porém, isso supõe certas condições (tempo, valorização da escola, interesse acadêmico, familiaridade com as matérias escolares e habilidades para ensinar o dever de casa, por exemplo), de que nem todas as famílias e nem todos os adultos responsáveis por crianças dispõem. Ademais, parceria supõe igualdade, e as relações escola–família são relações de poder em que as/os profissionais da educação (pesquisadoras/es, gestoras/es, especialistas, professoras/es) têm poder sobre os leigos (pais/mães). São relações também mediadas por outras relações de poder (de classe, raça/etnia e gênero) que, em princípio, ora podem favorecer as/os professoras/es, ora os pais  ou mães ou responsáveis. Em todo caso, o poder dos pais/mães encontra sempre seu limite no poder da professora sobre seu filho/filha na sala de aula (afinal, pais/ mães sabem que professores/as são seres humanos, tanto quanto eles/elas, sujeitos a antipatizar, marcar, dar gelo...).

A teoria crítica de Bourdieu e Passeron (1977) acerca do papel do sistema educacional na reprodução das desigualdades sociais de classe, raça e gênero explica como a escola desempenha funções relativamente estáveis na reprodução cultural e social, ao inflacionar ou deflacionar o capital cultural inicial dos estudantes, adquirido na socialização familiar, étnica e de classe, e ao convertê-lo (ou não) em credenciais (qualificações, diplomas) mais ou menos valorizadas. O caminho individual para as trocas rentáveis e o sucesso escolar depende de familiaridade com o conhecimento, linguagem e padrões de avaliação específicos da escola, e reflete a 54 Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 Maria Eulina Pessoa de Carvalho distância ou afinidade entre a cultura doméstica e de classe (educação informal) e a cultura acadêmica (o currículo escolar formal). Assim, a produção do fracasso escolar é intrínseca ao funcionamento de um sistema educacional que recebe indivíduos de origens culturais diversas, mas implicitamente adota um único modelo cultural. Conseqüentemente, políticas que não levam em conta esses mecanismos reprodutivos necessariamente promovem desigualdade educacional e social, ao fazerem demandas à família (via dever de casa), atribuindo aos pais/mães a responsabilidade pelo sucesso escolar dos filhos/filhas. Isso porque as escolas passam a organizar o processo ensino-aprendizagem contando com a contribuição da família. No modo de educação atual, a escola tem mais poder do que a maioria das famílias. Se, por um lado, a ação escolar encontra limites socioestruturais, por outro a reprodução social permite escolhas (e disputas ideológicas e culturais) quanto a conhecimentos e práticas pedagógicas (escolhas individuais e coletivas, profissionais e institucionais). Bourdieu e Passeron (1977) mostram como a escola constitui um mercado simbólico mediando entre a desigualdade individual e familiar precedente e as estruturas econômicas e simbólicas mais amplas, paralelas e subseqüentes; portanto, a escola, educadoras e educadores têm autonomia (ainda que limitada) para influenciar os processos e resultados de sua própria produção (o espaço de  produção na reprodução). Conseqüentemente, as políticas e práticas educativas representam escolhas que podem reduzir ou aumentar a dependência dos estudantes em relação a sua origem social, quebrando ou apertando a corrente da conversão automática das diferenças materiais e culturais, familiares e de classe, em sucesso ou fracasso escolar (Carvalho, 2000).

A seleção social que se dá pelos processos pedagógicos escolares baseia-se na imposição de um conhecimento não familiar (a cultura acadêmica, dominante) para a maioria dos estudantes e na negação do acesso ao seu código (pelo não ensino desse código). Tradicionalmente, a escola tem mantido uma parceria implícita com um único modelo de família, cujos filhos obtêm sucesso escolar. Portanto, a eqüidade educacional depende simultaneamente de:

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Reconhecimento das dificuldades da família na atual organização social – as mulheres perfazem 25% das chefias de família no Brasil (FIBGE, 2000) – e respeito às diferenças socioeconômicas e à diversidade cultural das famílias;

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Delimitação clara da tarefa educativa da escola, com base numa visão crítica abrangente das relações família–escola e da produção do fracasso escolar Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 55 Modos de educação... no contexto dessas relações (geralmente caracterizadas como de omissão dos pais).

Diante da desigualdade social e educacional, a tarefa da escola é ensinar um currículo básico comum no seu próprio tempo-espaço e com seus próprios recursos, compensando (com tratamento pedagógico apropriado) as diferenças culturais (familiares, étnicas, de classe) dos estudantes e limitando a avaliação àquilo que o currículo escolar oferece explícita e sistematicamente. Ao invés de demandar a contribuição da família para a aprendizagem do currículo escolar, a escola deveria investir em práticas pedagógicas efetivas (Carvalho, 2000). Portanto, é preciso clarificar  o significado da desejável parceria família–escola, pois parceria (mesmo reconhecendo-se que as relações família–escola são de interdependência) não significa identidade de atribuições.

O QUE AS RELAÇÕES FAMÍLIA–ESCOLA TÊM A VER COM AS RELAÇÕES DE GÊNERO?

O envolvimento dos pais na educação escolar é necessário somente se concebermos a escola (e o trabalho docente) como dependente da contribuição da família e do trabalho extra-escolar de outros adultos em prol da aprendizagem do currículo escolar. Mas, podemos conceber a escola efetivamente ensinando o currículo em seu tempo-espaço e com seus próprios recursos? Se faltam condições para isso, tratemos de criá-las.

O envolvimento dos pais na educação escolar é desejável apenas na medida em que estes puderem se envolver com assuntos curriculares. Ocorre que esse envolvimento tem se limitado à obrigação materna, no contexto de uma divisão sexual do trabalho educacional que persiste e é tomada como natural pela própria escola e por seus profissionais do sexo feminino. Na conversa entre as vizinhas na cartilha elaborada pelas profissionais da escola, a obrigação de acompanhar o dever de casa, de estimular os estudos e de dar afeto ao filho é só da mãe, mesmo se esta trabalha o dia inteiro, como o pai. Ser analfabeta não é desculpa: a mãe pode sentar junto do filho e ver o dever de casa. O pai está ausente da educação no espaço do lar. Porém, no mundo público, na reunião na escola, é o pai quem fala. Essa cartilha reproduz a separação público/ masculino–privado/feminino e a dicotomia de papéis sexuais e de gênero em casa e na escola. Coloca as mais pesadas expectativas sobre as mães, reproduzindo a assimetria de papéis sexuais e de gênero que faz recair sobre as mulheres toda a 56 Cadernos de Pesquisa, v. 34, n. 121, jan./abr. 2004 Maria Eulina Pessoa de Carvalho responsabilidade pela educação das crianças, em casa e na escola. Ao usar o termo genérico pais, mantém invisível e deixa de reconhecer o trabalho educacional importante e exclusivo das mães. Por que, ao incentivar a participação dos pais na educação escolar, a escola não incentiva precisamente os pais, costumeiramente ausentes da educação, tanto em casa, como na escola? Cabe aqui uma reflexão sobre a problemática da continuidade entre professoras (feminização do magistério) e mães (educação doméstica a cargo das mulheres).

Maria, a vizinha esperta (alter ego da professora), não percebe as relações de iniqüidade de gênero que afetam Luíza, trabalhadora e analfabeta, incumbida de ver o dever de casa do filho. Tampouco a professora que espera a colaboração de uma mãe como Luíza percebe a impotência comum a ambas, no seu caso, decorrente da desvalorização profissional e das precárias condições de trabalho do magistério. Por isso os estudos de gênero são extremamente necessários na educação, porque podem oferecer perspectivas críticas às professoras mulheres que não têm  problematizado essa continuidade. Observa-se uma coincidência entre as pressões da avaliação da eficácia escolar – a ênfase nos testes, que afeta as/os professoras/es e gestores/as – e o apelo à família para participar da educação escolar – “os pais são os primeiros professores e a casa a primeira escola da criança”, diz a cartilha Aprendendo com carinho (João Pessoa, 2002). Entretanto, os pais/mães que desejam e podem envolver-se com a educação escolar deveriam ter alternativas ao dever de casa. Por exemplo, por que não enriquecer o currículo com experiências e novidades trazidas pelas mães e pais, que possam ser compartilhadas com todas as alunas e alunos da classe (não apenas com o próprio filho ou filha em casa) e com outros pais e mães na escola, enriquecendo assim as próprias relações entre a escola e as famílias?

 

TEXTO - 13

FAMÍLIA

Escola e família como parceiras

Para o físico e educador Luis Carlos de Menezes, educar depende de uma relação mais ampla entre os pais e professores do que uma mera prestação de serviços.

Diante do insucesso de um aluno, a escola e a família passam a se cobrar: "Onde foi que vocês falharam?" A família questiona a escola por ser ela a responsável pelo ensino. A escola questiona a família pelo fato de que, se alguns conseguem aprender, o problema dos malsucedidos só pode vir de fora. Todos têm razão, mas ninguém está certo. Por outro lado, não basta as duas culparem a si mesmas, pois uma professora ou uma mãe nem sempre encontrarão resposta ao se perguntar "Onde foi que eu falhei?". O problema não está separadamente em nenhum dos lados, muito menos nos estudantes - razão de ser da relação entre os dois. Não faz nenhum sentido tomá-los como culpados.
Crianças e jovens são levados para a escola com o objetivo de que aprendam os conteúdos e desenvolvam competências que os preparem para a vida. Os educadores esperam que cheguem à sala de aula interessados em aprender, prontos para o convívio social e para o trabalho disciplinado. Quando as expectativas dos dois lados se frustram, surge um círculo vicioso de reclamações recíprocas que devem ser evitadas com a adoção de atitudes de co-responsabilidade. Vamos ver como promover isso, começando por recusar velhas desculpas, de que nada se pode fazer com "as famílias de hoje" ou com "as escolas de hoje".

No início de cada bimestre ou trimestre, as crianças e seus responsáveis - mães, pais, irmãos, tias ou avós - devem ser informados sobre quais atividades serão realizadas em classe e em casa, de que recursos elas farão uso, que aprendizagem se espera em cada disciplina e que novas habilidades desenvolverão. Esse é o momento, ainda, para que todos apresentem demandas e sugestões. Ao promover esse encontro, os professores, em conjunto com a direção e a coordenação, precisam ter clareza das expectativas de aprendizagem e das atividades previstas na proposta curricular, realizadas num projeto pedagógico efetivo. Isso já é um bom começo.

Nesses encontros, os pais ou responsáveis participam da análise dos resultados do período anterior e recebem instrumentos e critérios para acompanhar em casa o desenvolvimento dos filhos no período seguinte e para ouvir as percepções pessoais dos estudantes sobre a vida escolar. No caso de omissão da família, esse acompanhamento deve ser feito por um educador de referência, pelos pais de um amigo do estudante ou de outra forma sugerida pelo conselho escolar.

Além de ter um desempenho melhor, cada aluno passa a se perceber reconhecido em suas buscas e necessidades. Soma-se a isso o fato de que a convicção de ser considerado é um importante ingrediente da vida social. Há escolas que já fazem isso e as que começarem a fazer estarão constituindo de fato uma comunidade pela primeira vez - e isso não é pouca coisa. Cabe a estados e municípios desenvolver meios para esse envolvimento familiar em toda a rede, mas nada impede que cada unidade crie isso independentemente. Ao aproximar-se o fim do ano letivo, momento certo para planejar o próximo, vale eleger como tema da próxima reunião pedagógica o estabelecimento de uma melhor relação com as famílias. 

Luis Carlos de Menezes. 

 

TEXTO - 14

Família e Escola: falando um pouco sobre essa parceria

Sobre a educação infantil hoje
As mudanças ocorridas recentemente em nossa sociedade, com as mulheres cada vez mais inseridas no mercado de trabalho, alteraram de modo significativo a forma como as crianças têm vivido a sua infância – hoje, é freqüente a entrada cada vez mais cedo na vida escolar.

Por outro lado, recentes pesquisas na área de educação e psicologia têm apontado, de modo veemente, a importância dos anos iniciais de vida na formação do ser humano. De certo modo, já é consenso a noção de que os anos iniciais da vida afetam o desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e até físico da criança. Além disso, também sabemos que freqüentar boas escolas de educação infantil colabora de maneira positiva para o aproveitamento dos anos subseqüentes da vida escolar. Todas essas conclusões apontam para a importância de uma educação infantil de qualidade.

Se a educação infantil está no centro dessas alterações, também ela precisou repensar o seu papel frente a tais questões, expandindo seu conceito de trabalho com crianças pequenas. Para além do cuidado, essencial nessa faixa etária, e das atividades motoras, outrora vistas como foco principal da educação infantil, a escola, desde os seus primeiros anos, deve ser um espaço em que a criança possa ser inserida na cultura em que vive, por intermédio das brincadeiras, cantigas, histórias e de todos os outros bens socioculturais disponíveis.

Como os pais podem participar e ajudar?

Para grande parte dos pais e familiares, acompanhar o crescimento, o desenvolvimento e as conquistas dos filhos durante sua vida escolar é também preocupar-se com o seu trajeto e desempenho, muitas vezes trazendo dúvidas e questões a respeito da melhor forma de colaborar, segui-los e apoiá-los nessa empreitada.

Este guia pretende falar um pouco sobre isso, informando a respeito do que será estudado por seu filho ao longo do ano, apresentando o Buriti Mirim e explicitando a pertinência dos assuntos e temas abordados para as crianças de 3 a 5 anos, muitas vezes estabelecendo paralelos com a sua fase de desenvolvimento. Também dá dicas de como estar mais próximo e compartilhar essa importante etapa da vida das crianças: os primeiros anos escolares.